Valéria de Macêdo Teixeira Batista
“Somos todos míopes, exceto para dentro. Só o sonho vê com o olhar”.
Fernando Pessoa
Quando a jornada da busca pela concepção através da medicina reprodutiva não resulta em um positivo, aparece o luto, o vazio. Mas o que é o vazio? O vazio se coloca entre o nada e o ser. Se o vazio pode ser ocupado por um corpo, nós o pensamos como “o não ocupado por um corpo”. Se o pensamos incorporal, o pensamos por negação. Assim, o luto desse projeto de vida “filho” chega dilacerando, causando uma perda solitária, já que socialmente a infertilidade não é compreendida como perda e sim, como uma incapacidade de gerar e procriar, às vezes, sendo negado ao casal até o direito de enlutar-se.
Freud em Luto e Melancolia (1917) afirma que se torna importante diferenciar os estados de luto e melancolia, considerando as questões comuns entre eles, mas também as singularidades que o definem como cada sujeito – a partir de seus recursos internos – viverá esse tipo de sofrimento psíquico. Para as pacientes que tentam engravidar e se deparam com alguns obstáculos, a cada ciclo menstrual buscam encontrar forças para lidar com a frustração, impotência e mais um mês perdido na concretização do seu desejo.
As inúmeras tentativas para ter um filho biológico podem provocar intenso sofrimento aos casais, passando também pelo viés financeiro, recepção de gametas, às vezes por difíceis elaborações exigindo tempo e adaptação. Entretanto, a maior parte desse sofrimento poderia ser evitado se houvesse maior investimento para o acompanhamento psicológico contínuo dos casais durante os tratamentos, enfocando, principalmente, nas limitações das técnicas de reprodução assistida, além da possiblidade de outras formas de vivenciar a maternidade/paternidade.
O impacto de tentativas frustradas, às vezes tão presente nos tratamentos de reprodução humana, pode nos levar a considerar uma possível suposição da presença do sujeito frente ao ato de desejar, cada vez mais tomado, pela grande maioria, com voracidade. Hoje muito se discute sobre o acesso constantemente facilitado ao chamado “fast-food”, estendendo-se essa leitura do “rápido” para as emoções e atos humanos em todas as suas possibilidades e por que não no desejo de filho?
O vazio desse colo de um bebê que já havia nascido no imaginário, cheios de significantes de um “bebê ideal”, é uma dor que deve ser reconhecida e nomeada, permitindo senti-la, sendo esse um dos primeiros passos em direção ao futuro diferente daquele imaginado anteriormente, mas que também inclui outras possibilidades e momentos de muitas alegrias.