Mais de 70 Anos Pela Saúde Reprodutiva

Prof Dirceu Henrique Mendes Pereira
 
Graduado em Medicina pela UNIFESP – Universidade Federal do Estado de São Paulo
Residência Médica no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (São Paulo)
Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Doutor em Ginecologia e Obstetrícia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Microsurgery Hands-on course em Johns Hopkins Hospital (Baltimore – USA)
Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana nos biênios de 1990-1991 e 2008-2009
Atualmente Diretor Médico da Ion Nutri – Nutrimetabolômica (São Paulo, Brasil)

Em fevereiro de 2017 a diretoria convidou-me para fazer um breve relato sobre as conquistas e desafios da nossa Associação na área de Reprodução Humana. Tal convite se deve ao fato de que fui testemunha e protagonista desta jornada a partir de 1974. Nesse período o nosso país passou por grandes mudanças na área socioeconômica-cultural que obviamente exigiram grande esforço adaptativo das sucessivas diretorias para atender as crescentes necessidades da comunidade no âmbito da Saúde Reprodutiva. A limitação de espaço não me permite discorrer sobre as sucessivas diretorias da SBRH que realizaram gestões laboriosas pautadas pela divulgação da evolução da Reprodução Humana no nosso país.

O associado poderá acompanhar em detalhes a cronologia e atividades das sucessivas diretorias da entidade no livro “História da Reprodução Humana no Brasil“ editado pela SBRH em 2009, tendo como autores Waldemar Naves do Amaral, Alvaro Petracco e Vilmon de Freitas. Os mesmos foram a fundo na pesquisa da origem da SBRH e se surpreenderam com o fato de que o seu fundador não foi Arthur Campos da Paz Filho como se supunha. Em 26 dezembro 1947, um grupo constituído de 143 Tocoginecologistas de vários estados reuniu-se no Rio de Janeiro para fundar a Sociedade Brasileira de Esterilidade (SBE) tendo como propósito discutir e orientar a comunidade médica sobre as questões relacionadas à procriação.

A diretoria, todos cariocas, foi eleita por aclamação tendo como presidente o Prof. Arnaldo de Moraes e como secretário geral o Prof. Arthur Campos da Paz Filho. O registro legal da SBE foi concretizado no Diário Oficial da União no dia 27 de abril de 1951.

Em 1959 foi fundada a FEBRASGO, por ocasião do 12º Congresso de Ginecologia e Obstetrícia na cidade de Belo Horizonte, tendo como presidente o paulista Alberto Francia Martins (SP). Foi sucedido por Arnaldo de Moraes (RJ), que havia fundado a Sociedade Brasileira de Esterilidade em 1947.
A década de 1960 foi uma das mais eletrizantes do século passado. Houve grande ebulição cultural no campo da música, literatura, artes plásticas, ciências biológicas etc. As mulheres se beneficiaram da introdução da Pílula Anticoncepcional, concedendo-lhes liberdade sexual e possibilidade de planejar a procriação. Em 1964 ocorreu o golpe militar instalando-se um período de autoritarismo com fechamento do Congresso Nacional e restrição de liberdade de imprensa.

Arthur Campos da Paz Filho, que havia permanecido na diretoria da SBE por vários anos, assumiu a presidência em 1970 com objetivo de expandir a atuação da entidade, tratando de mudar o seu estatuto em consonância com a República Federativa do Brasil, antes denominada Estados Unidos do Brasil. Incorporou duas medidas para alcançar esse objetivo: a Federalização da Entidade com a criação de Delegacias Regionais e o acolhimento de outros profissionais por entender o caráter multidisciplinar da associação.
A Saúde Reprodutiva exigia a atuação de médicos de várias especialidades, Sexólogos, Endocrinologistas, Tocoginecologistas, Geneticistas, Imagenologistas, etc. bem como profissionais de outras áreas como Psicólogos, Advogados, Assistentes Sociais, Demógrafos, etc.

A incursão do presidente no âmbito internacional possibilitou-lhe a realização de portentoso congresso no Rio de Janeiro (1974) no Copacabana Palace, reunindo cerca de 50 especialistas do mais alto gabarito oriundo da Ásia, USA, Europa, Oceania e América Latina. No mesmo evento, durante Assembleia Ordinária, a entidade passou a ser denominada Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). Durante o Congresso Campos da Paz liderou a criação da IFFS (International Federation Fertility Societies) a qual estamos filiados até o presente.

A partir deste evento iniciei o meu processo de adesão às atividades da SBRH e pude acompanhar até o momento atual a sua evolução. Na época fui colaborador de Milton Nakamura, professor assistente da UNICAMP e recém-chegado de estágio na Keio University (Japão), que viria a ocupar a presidência de 1975 a 1978. Nakamura era um profissional dinâmico dotado de grande habilidade em Endoscopia Pélvica, sendo também responsável pelo setor de Esterilidade Conjugal da FMUSP, sob a supervisão do saudoso Franz Mueller.

A sede da associação foi transferida para São Paulo, ocupando fisicamente uma sala no Centro de Planejamento Familiar na Pça Osvaldo Cruz. A partir daí as atividades da SBRH foram intensificadas com forte atuação nas áreas de Infertilidade, Endoscopia Pélvica, Anticoncepção, Sexualidade, Ginecologia Endócrina etc.

Múltiplos eventos foram levados às grandes capitais do país, graças a atuação das Delegacias Regionais. A SBRH estimulou o desenvolvimento de Centros de Treinamento em Microcirurgia Tubária, Endoscopia Pélvica, Anticoncepção que foram importantes para a formação de Tocoginecologistas em todo país. Cumpre destacar a dinâmica atividade docente de Nilson Donadio (Delegado Regional de São Paulo), com a realização de tutoriais de Reprodução Humana na Santa Casa de São Paulo e em outras capitais do país.

No decorrer dos 25 anos que antecederam a virada do século, a nossa Associação foi palco dos eventos mais importantes de Reprodução Humana no país. Os Tocoginecologistas militantes da academia pertenciam ao seu quadro associativo e invariavelmente participavam ativamente das nossas atividades de ensino e treinamento. Tínhamos representantes em praticamente todas as capitais dos estados brasileiros que exerciam o papel de delegados.

Essa capilaridade acenava para a realização de eventos loco-regionais possibilitando a formação de profissionais de Saúde Reprodutiva em todo o país. Os laboratórios farmacêuticos nos davam apoio decisivo para nos deslocarmos às diversas regiões e também propiciava suporte para a realização dos eventos. Tempos felizes…não havia compliance.

Nesse período testemunhamos algumas transformações sociais e conquistas tecnológicas que motivaram debates calorosos no âmbito da Sociedade. A revolução de comportamento feminino, em decorrência do advento da Pílula Anticoncepcional abriu espaço para a discussão de Anticoncepção e Liberdade Sexual.


O grande debate nacional era sobre o Planejamento Familiar havendo correntes favoráveis e contrarias à sua implementação. A taxa de natalidade atingiu 4,1% sem a contrapartida do crescimento econômico o que levaria o país a uma explosão demográfica.

Os opositores representados pela igreja e os socialistas argumentavam que as nações do hemisfério norte tinham interesse em limitar a taxa de nascimentos no Brasil. O governo militar não tinha definição clara sobre o tema e intensos debates foram instalados.

A SBRH foi palco dessas discussões por abrigar alguns profissionais que anteviam a iminência de marginalização social se a taxa de nascimentos não fosse reduzida. Participaram ativamente Elsimar Coutinho, Milton Nakamura, José A. Pinotti, Anibal Acosta, Carlos Alberto Salvatore, Marcos P. Castro, Helio Aguinagua, Ronald Bossemeyer, Walter Rodrigues, Domicio Pereira da Costa, Rosires Pereira de Andrade, João Fernando Gois, Claudete Reggiani, José Weyson Barros Leal, Luiz Angelo Albuquerque, Fernando Pedrosa, José Carlos Pinheiro, Geraldez Tomaz, Leide de Moraes, Ivis Bezerra e muitos outros aos quais peço desculpas pela omissão.

Deve-se salientar o primoroso trabalho social de J.Galba Araujo no Ceará, a laboriosa atividade da BENFAM sediada no Rio de Janeiro, em propagar orientação ao Planejamento Familiar em todo Brasil. A visão multiprofissional de José A. Pinotti, professor titular de Ginecologia e Obstetrícia da UNICAMP, o motivou para criar em Campinas (SP) uma Instituição Modelar de Planejamento Familiar e Assistência à Maternidade e Infância (CAISM). A sua estrutura assistencial foi inspiradora para a instalação de entidades em outras centros universitários do país.

Na Bahia, Elsimar Coutinho, após receber doação vultuosa para pesquisa, estabelece em Salvador o Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH) com propósito de dar atenção integral à Saúde Reprodutiva voltada para a comunidade loco-regional.

Em contrapartida, a Microcirurgia Tubária foi redentora no sentido de recuperar a Fertilidade em mulheres que haviam se submetido a Salpingotripsia. No cenário mundial Kurt Swollen (Suécia), Vitor Gomel (Canadá), Robert Winston (UK), John Rock (US), Jean Cohen (França) destacavam-se nos congressos relatando resultados satisfatórios de recanalização e gravidez.

Vários ginecologistas brasileiros realizaram treinamento no exterior, destacando-se entre eles Dirceu Mendes Pereira (FMUSP), Nilson Donadio (Santa Casa – SP), Rosires Pereira de Andrade (UFPR), Renzo Antonini (UNESP), Vicente Mario Izzo (FMUSP), Ricardo Mello Marinho (UFMG), e outros que difundiram a técnica entre nós.

No tocante à Anticoncepção Masculina, a microcirurgia do canal deferente também foi desenvolvida para a resolução da reversão de vasectomia. A PROPATER (São Paulo) foi a instituição de maior relevo no Brasil por duas décadas. Em 1978, o mundo assistiu ao enunciado que revolucionária o Tratamento da Infertilidade: o nascimento de Louise Brown em Londres.

Steptoe e Edwards publicam na revista médica Lancet detalhes técnicos da Fertilização In Vitro (FIV) cuja evolução não encontrou mais limites até o presente. Em 1984, nasce Anna Paula Caldeira no estado do Paraná, tendo sido o primeiro nascimento divulgado na América Latina. Tal proeza foi realizada pela equipe de Milton Nakamura que obteve êxito após tentativas anteriores fracassadas.

Na época foi denominado “bebê canguru” em virtude de ter contado com o apoio de equipe australiana da Universidade de Melbourne (Austrália). Em sequência vários Centros de Reprodução Assistida foram se instalando nas grandes capitais brasileiras graças ao empreendedorismo de esterileutas que acreditaram na técnica e não pouparam esforços para oferecer à população um procedimento inovador e exitoso.

O aprimoramento da Ultrassonografia, em especial com a sonda Endovaginal, propiciou a realização de FIV ambulatorial, sem a necessidade da utilização de internação hospitalar. Os meios de cultivo celular passaram por crescente aperfeiçoamento buscando mimetizar o microambiente tubário e oferecer melhores taxas de fertilização e desenvolvimento embrionário.

A SBRH foi a entidade que mais colaborou para a divulgação das Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) realizando eventos e apoiando “Hands On“ em todo país.

Em paralelo os programas de Planejamento Familiar suscitavam calorosos debates no meio acadêmico e na sociedade. A utilização dos Anticoncepcionais Hormonais, do dispositivo Intra-uterino e da Anticoncepção Cirúrgica eram permitidas desde que obedecesse normas estabelecidas no tocante à indicações, contraindicações e avaliação psicossocial. Graças a atuação dos serviços de Planejamento Familiar o Brasil começou a diminuir a sua taxa de nascimentos chegando nos dias atuais ao índice de 2,8% desacelerando a inexorável marcha para marginalização social iminente.

Em 1983, Elsimar Coutinho assumiu a presidência com ampla bagagem internacional aplicada na área de pesquisa na Maternidade Climério de Oliveira em Salvador, culminando a sua gestão de dois anos com o maior Congresso de Reprodução Humana no Parque Anhembi (SP) tendo como tema: “A mulher aos 35 anos – Visão Global de Saúde”. Houve a participação de 2.300 congressistas que apreciaram um evento de caráter multidisciplinar durante 4 dias. Tive a honra de ter sido coordenador geral compartilhando essa função com o inesquecível Nilson Donadio. A SBRH, adquiriu uma sede própria na Pça da República (São Paulo) graças ao donativo da sua diretoria, constituindo-se na entidade de maior relevância na área de Infertilidade e Anticoncepção no nosso país.

Em 1989, Nilson Donadio preside memorável o Congresso Internacional (PANCA) realizado em Natal (RN) com a colaboração de Kleber de Melo Moraes e a participação de renomados especialistas das Américas e da Europa. A escola francesa e italiana, à qual estavam associados os organizadores do evento, participou ativamente com a presença de René Frydman, Jacques Hamou, Carlo Tantini, Luca Mencaglia e muitos outros.
A década de 1990 foi pontilhada por grandes avanços nas TRA. Surgem inovações como o ICSI (1982), responsável pela Resolução do Fator Masculino, várias técnicas adjuvantes para o aprimoramento da implantação uterina, o advento do GNRH antagonista, a criopreservação de embriões e o início do Projeto Genoma.

O aumento de Clínicas de Reprodução Assistida suscitou a criação da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) em 1996, cujo primeiro presidente foi José Gonçalves Franco Jr. Os relatórios dos Centros de Medicina reprodutiva (CMR) eram reportados a REDLARA, entidade latino-americana, sediada em Santiago (Chile).

Em 1997 a diretoria da SBRH, tendo como presidente Kleber de Moraes, adquire uma sala no edifício Glass Tower na Av. Jandira, 257, conj 146 que é a atual sede da nossa associação. A anterior (Praça da República – São Paulo) permanece no acervo do patrimônio.

No final do milênio tem início a globalização, indutora de profundas modificações no intercâmbio entre os países do planeta a ponto de interferir na dinâmica de atuação da Indústria Farmacêutica no tocante ao relacionamento com a Classe Médica e as Clínicas de Medicina Reprodutiva.

A virada do século trouxe à tona várias conquistas inovadoras que estavam ainda em processo de germinação. Creio que a maior de todas, foi a conclusão do Projeto Genoma cujo desdobramento permitirá intervenções biomédicas personalizadas. A “era dos ômics“ está propiciando individualizar condutas terapêuticas consoante o “status“ genético, bioquímico e metabólico de cada pessoa.

A contaminação ambiental por poluentes passou a ganhar mais importância como agente de uma série de ações adversas sobre o organismo, destacando-se entre elas, o impacto negativo sobre a fisiologia dos gametas, a gênese e agravamento da endometriose, as falhas de implantação, as perdas reprodutivas, e o impacto de modificações epigenéticas sobre o concepto.

Em 2008, eclodiu a crise financeira do sistema bancário norte-americano (Sub prime) que provocou desdobramento mundial obrigando os países a fazerem contenções orçamentárias drásticas para atravessar o período de incerteza em relação à economia global. Embora o Brasil tivesse se descolado da crise mediante política anticíclica, que mais tarde revelou-se um equívoco histórico, cumpre lembrar que a Indústria Farmacêutica era predominantemente do hemisfério norte e como tal teve de adotar política de contenção orçamentaria. O último congresso da SBRH sem restrição drástica de suporte dos laboratórios foi realizado sob a presidência de Nilson Roberto de Melo. O evento foi realizado no Parque Anhembi (São Paulo – 2004) com extensa programação científica desenvolvida em 4 dias.

Os demais conclaves realizados em 2006 (Curitiba – Claudete Reggiani); 2008 (São Paulo – Dirceu H. Mendes Pereira); 2010 (Goiânia – Waldemar Naves do Amaral); 2012 (São Paulo – Artur Dzik); 2014 (Porto Alegre – Mariangela Badalotti) e 2016 (São Paulo – Mario Cavagna) foram realizados com dotações orçamentarias restritas em decorrência das crises sucessivas que ocorreram no nosso país e a competição por verbas entre as Associações Médicas.

Lamentavelmente as verbas do Ministério da Saúde e outros Órgãos Estatais são limitadas representando um percentual ínfimo no orçamento dos congressos. Em virtude de ser multidisciplinar sofre a competição de associações médicas de Ginecologia e Obstetrícia, com crescente incorporação de temas de Fertilidade e Anticoncepção na grade científica dos congressos. Em decorrência de eventos mais robustos essas entidades têm recebido verbas de suporte mais generosas dos laboratórios farmacêuticos.

O fenômeno atual de sucesso é a SOGESP, cujos congressos reúnem o maior número de participantes do país. As co-irmãs SBRA, SBE, SPMR, criadas mais recentemente, tem finalidade estatutária focada na Medicina Reprodutiva, e disputam também dotações para os seus eventos periódicos. Como o cobertor é curto as verbas estão minguando cada vez mais frente a impossibilidade de atender a todos, trazendo angústia e ansiedade aos organizadores de conclaves.

Além disso, os Centros de Medicina Reprodutiva de maior porte passaram a realizar eventos próprios marcando presença na agenda anual. Ainda, para terminar, os centros de estudos de Faculdades de Medicina também realizam eventos anuais bem-sucedidos há alguns anos. A guisa de exemplo, destacaria o Congresso da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo com duas décadas de eventos anuais exitosos.

A partir de 2010, observadores econômicos começaram a detectar equívocos e inconsistências nas decisões de investimentos governamentais, a chamada agenda desenvolvimentista, cuja tônica era internacionalizar algumas empresas mediante vultuosos financiamentos do BNDES.

O lulopetismo, detentor de eficiente máquina publicitária, criou na população uma imagem de bem-estar social ilusória, caracterizada pela ascensão da classe média. A era das “commodities” propiciava balança positiva apesar de todos os gastos do governo para manter um “status” artificial. O Brasil se consagrou como sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, compromissos que já anteviam uma crônica anunciada de corrupção, desperdício, malversação do dinheiro público etc.

Em 2014, por ocasião da eleição para a presidência do país, os economistas ligados à oposição política alertaram para iminência de profundo desequilíbrio das contas públicas, mascarado por manobras de contabilidade criativa. A presidente eleita, defronta-se com a realidade que veio à tona e passa a adotar uma virada radical na condução da política econômica. O desenlace culminou com a maior crise política no país, culminando com o “impeachment“ e uma crise sem precedentes que se arrasta até o presente.

Outro aspecto que merece comentário é a luta isolada da SBRH, até o advento das co-irmãs, para sensibilizar o Congresso Nacional visando estabelecer uma lei para regulamentação das práticas de Reprodução Assistida. Vários projetos de lei foram propostos por políticos com essa finalidade, porém todos foram substituídos ou engavetados.

Atualmente trabalhamos sob a égide de normas do Conselho Federal de Medicina que são periodicamente modificadas ao sabor das conquistas tecnológicas e sociais. Graças à sinergia com as associações que compartilham interesses comuns (SBRA, FEBRASGO, SPMR, SBE) nossas reivindicações têm sido acolhidas e discutidas em câmaras específicas visando atualizar as condutas e procedimentos.

É constrangedor admitir que o Brasil não tem uma lei que regulamente as técnicas de Reprodução Assistida! Os profissionais trabalham sob a tutela dos ditames éticos do CFM, cujos conselheiros sofrem forte pressão de movimentos sociais e religiosos. Sem querer fazer futurologia, acredito que as conquistas tecnológicas e o clamor por direitos provocarão grandes debates nos anos vindouros.

Cumpre lembrar que a SBRH, em função de estatuto multidisciplinar, disputa espaço com entidades de atividades focadas predominantemente em técnicas de Reprodução Assistida (SBRA, SPMR), Endometriose, Cirurgia Minimamente Invasiva (SBE), Sociedades Médicas de Tocoginecologistas (FEBRASGO e Regionais Estaduais) e Departamentos de Faculdades de Medicina que incluem na sua programação de eventos temas de Reprodução Humana.

A gestão de João Pedro Junqueira Caetano (2017/2018) foi pautada pelo dinamismo, tendo como foco o início da introdução da SBRH na era digital. Vários eventos regionais foram realizados, culminando com o Congresso em Belo Horizonte, coroando a sua presidência. Durante o evento foram lançados dois livros: Psicologia em Reprodução Humana editado por Cassia Conceição Avelar e João Pedro Junqueira Caetano; e o Tratado de Medicina Reprodutiva editado por João Pedro Junqueira Caetano e colaboradores.

Em 2019 a nossa Associação passa a ser conduzida por Nilka Donadio, caracterizada pela atividade clínica e laboratorial na área de Reprodução Assistida. Dotada de brilho próprio levou consigo a memória do seu pai Nilson Donadio que muito contribuiu para a edificação da SBRH. No meio da sua gestão foi atropelada pela pandemia da Covid19, cujo impacto socioeconômico foi devastador. Como pesaroso registro tivemos o falecimento de dois ex-presidentes em 2021: Elsimar M. Coutinho e Mario Cavagna, que cumpriram relevante papel no ensino da Reprodução Humana Assistida no Brasil.

Ainda assim, com toda esta adversidade, Nilka conseguiu imprimir um ritmo forte e permanente nas atividades cientificas, através de encontros virtuais que mantiveram os associados em aprendizado crescente. Em decorrência da sua grande interação com Biólogos e Embriologistas, Nilka Donadio e colaboradores editaram o livro “ Atlas de Reprodução Assistida e Genética “ uma preciosidade nesta área, rico em ilustrações e conteúdo informativo.

Atualmente a presidência está sob o comando de Paulo Gallo (2021-2023), conhecedor da dinâmica da SBRH, fruto da sua participação nas duas diretorias anteriores, e que reúne plenas condições para manter a musculatura da SBRH com o retorno das atividades presenciais num país que ainda enfrenta grandes desafios na área econômica e social. A pandemia deixou como legado uma síndrome “Long Covid19” cujas repercussões ainda não foram dimensionadas, consequente a sequelas físicas e neurocomportamentais que deverão modificar a vida da população.

Forçosamente os gestores da SBRH terão que se ancorar na inovação, adotando novas ferramentas de comunicação que possibilitem levar informação ao associado capacitando-o a exercer com proficiência a especialidade. As verbas orçamentarias serão cada vez mais escassas exigindo cada vez mais redução de custos para a manutenção das Associações Médicas.

Acredito ainda que a nossa agremiação deverá concentrar-se em busca de uma aproximação com a sociedade através de difusão ética, valendo-se da mídia eletrônica, participando de maneira democrática da captação dos anseios da população.

A SBRH, em virtude do seu núcleo multidisciplinar de docentes, necessita participar de debates que interessem à população no tocante aos dilemas e conflitos associados à Saúde Reprodutiva. O estatuto da nossa entidade contempla vários profissionais ligados a inúmeros problemas relacionados à Fertilidade Humana. Penso que se estivermos focados apenas em Reprodução Assistida, competindo com as mais recentes Associações, deixaremos de abordar temas sobejamente importantes para Sociedade.

A Sociedade Brasileira exigirá nova ordem econômica e social com menor concentração de renda e maior distribuição de bens para populações que estão vivendo em condições sub-humanas. Há necessidade imperiosa de se criar um sistema diferente do capitalismo selvagem e do socialismo utópico para que a humanidade consiga conviver pacificamente neste planeta. Acima de tudo o país precisa livrar-se da polarização entre as correntes ideológicas de “direita e esquerda”, que se alternam no poder há duas décadas, dificultando o foco de atuação redentora em desafios maiores relacionados com a oferta de trabalho, a elevada carga tributária e o gigantismo do estado que absorve praticamente todos os recursos arrecadados da população. As áreas da saúde, educação e pesquisa, precisam ser urgentemente priorizadas para que possamos crescer com estabilidade a longo prazo.

Pode-se observar que temos encontrado muitos desafios que podem em contrapartida, criar oportunidades de implantação de inovações criativas satisfazendo a necessidade de aprendizado e atualização dos nossos associados. Tenho plena confiança que a SBRH continuará a exercer nos próximos anos um desempenho virtuoso assimilando as conquistas sociais e tecnológicas que prometem ser revolucionarias para tornar a vida das famílias mais adequada e feliz.