Por Arielle Rocha de O. Nascimento
O último mês foi dedicado a mobilizações de conscientização da infertilidade. Um tema que tem deflagrado a importância de se criar espaços de interlocução com a sociedade e com outros profissionais que, embora não atuem diretamente com a Reprodução Assistida, são caminhos de muitos pacientes antes de baterem nas portas das clinicas especializadas. Percebe-se que um número considerável de pacientes chega na Reprodução Assistida tardiamente, com chance de resposta clínica menor do que se tivessem sido orientados a procurar em um tempo mais oportuno. O que incorre, muitas vezes, em mais tentativas e procedimentos, ou na necessidade de recorrer ao tratamento com recepção de gametas, por exemplo. Com isso, um dos objetivos de dialogar com pessoas que estão além muros da Reprodução Assistida é tentar prevenir e diminuir o impacto da infertilidade, ampliando as ferramentas para lidar com esse contexto.
No entanto, falar de infertilidade ”extramuros” traz um convite para dentro também. Para dizer do trabalho na Reprodução Assistida, somos convidados, antes, a pensar o nosso trabalho e analisar os efeitos de nossas práticas para além dos números e resultados objetivos dos procedimentos (embora isso seja fundamental). E aí pode estar algo muito precioso. Pois, por mais que já se saiba sobre diagnósticos, experiências em FIV e seus desfechos, cada caso traz novas perguntas e novos saberes. Para isso, é preciso ousar ir além dos limites do corpo biológico e escutar não só o que cada caso apresenta de semelhante aos anteriores, passível de um saber replicável e repetido, mas a diferença que vem junto com a história de cada sujeito. Diferença que faz com que cada um tenha experiências diferentes, diante do contexto da infertilidade.
Essa posição clínica, além de favorecer a postura de acolhimento, contribuirá para tensionarmos alguns tabus, discursos e práticas sociais que estão presente hoje nesse campo. A experiência do atendimento à mulheres e casais que buscam a gravidez e vivenciam repetidas frustações de tentativas, revela a complexidade das questões que podem disso decorrer: fantasias, impotências, ansiedade, indicando alto grau de sofrimento e desamparo emocional. Quanto mais se reduz a gravidez a um evento de naturalidade fisiológica, ignorando as dimensões sociais, culturais e psíquicas, mais se coloca a infertilidade no campo de um problema individual, do desvio, do fracasso. Efeitos que podem dificultar o processo de quem o vivencia e trazer ainda mais sofrimento, na medida em que, ao reduzir à questão ao campo biológico, reduz-se também no plano cultural e social, as condições de simbolizar e elaborar a angústia diante das incertezas, limites e frustrações.
Falar de Infertilidade é um convite a não fazermos coro ao silêncio presente no campo social em torno da infertilidade e das técnicas de Reprodução Assistida. Silêncio que faz com que as oportunidades de intervenção se encolham. Silêncio que, subjetivamente, aumenta o desgaste emocional, a exclusão e a culpabilização.
Falar de infertilidade não para aumentar a rede de “especialistas” em Reprodução humana, mas para tecer e ampliar uma rede de cuidados capaz de ofertar atenção, acolhimento e orientação nos diversos pontos por onde a mulher e o casal que desejam engravidar possam passar.
Falar de infertilidade para lançarmos luz às dores e conflitos internos que essa experiência traz, e, justamente por podermos falar desse mal-estar, possibilitar que outros sentidos sejam dados a infertilidade, deslizando-a para um lugar de menos sofrimento.
Falar de infertilidade para termos, nós profissionais que atuamos na Reprodução Assistida, a constante oportunidade de pensarmos nossas práticas e o efeito delas, dentro e fora dos consultórios. Assim, mantemos vivo nosso compromisso de auxiliarmos os sujeitos a lidarem com esse momento, e, ao mesmo tempo, contribuímos para a ressignificação e desmitificação social da infertilidade.
Que falemos (e pensemos) não só em junho, mas em todas as estações!