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Comitê: Psicologia

A decisão entre receber ambos os gametas doados ou embriões doados

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Cássia Cançado Avelar
Psicóloga da Clínica Huntington-Belo Horizonte

 

Recentemente alguns autores iniciaram um debate comparando a doação de embriões e a doação de ambos os gametas – óvulos e sêmen, ressaltando a importância de reflexões, principalmente no que diz respeito às questões emocionais diante desta escolha (Huele et al. 2018; Gross & Mehl, 2018; ASRM, 2021).

Em um artigo publicado este ano, Pennings (2022) reporta “que é importante avaliar a percepção e sentimentos de quem vai receber os gametas ou embrião doado”. Ele cita que com um embrião doado, os receptores podem ter a sensação de que estão gestando a criança de um outro casal, desde que o embrião foi concebido sem o projeto parental do casal. Pode também comparar a recepção de um embrião doado com a adoção de uma criança, sugerindo que o embrião faria parte de uma história de outro casal e que foi abandonado. Segundo o autor, a recepção de gametas ou de um embrião difere na percepção de cada indivíduo.

Corroborando estas colocações, Gross e Mehl (2018) citam que do ponto de vista psicológico, estas duas abordagens não parecem equivalentes. Comentam que na recepção de um embrião doado, o casal herda um potencial filho concebido por outros. Já no caso da recepção de óvulos e sêmen doados, o casal recebe gametas de pessoas distintas e sem vínculo, o que resulta em um embrião de exclusiva responsabilidade do casal desejante. Os autores sugerem duas motivações que regem a decisão de recorrer à recepção de ambos os gametas em vez da adoção: o fato de carregar e dar a luz possibilita viver no corpo pelo menos uma das dimensões da maternidade e, por outro, evitar questionamentos relacionados ao projeto de adoção e abandono.

Segundo Gross e Mehl (2018) um embrião já constituído era desejado por outro casal, concebido por e para eles. Vem de um desejo de outro lugar. Já a recepção de gametas doados entre pessoas que não têm relação, torna-se futuros filhos para o casal que o espera e o deseja. Os autores afirmam que, enquanto o embrião doado já tem uma história, o embrião resultante de uma dupla doação começa sua história com o genitor ou pais que o desejam.

Na pesquisa realizada pelos autores, as pacientes favoráveis à recepção de ambos os gametas reportam que:

“a doação de embriões é mais complicada de aceitar. A dupla doação é mais fácil de explicar: não houve caso de amor entre esses dois doadores. A história de amor é entre os pais. Os doadores são um homem e uma mulher que não estão na continuidade da história de um casal. Os pais não se conhecem. O embrião não é fruto da construção de outro casal”.

” um embrião é um futuro bebê que foi abandonado. Eu não saberia como contar a história ao meu filho. Enquanto uma doação de gametas não é um abandono no início. A criança vem de pessoas que deram e não desistiram.”

“a recepção de ambos os gametas traz um filho único. Uma reunião de doadores que não teriam se encontrado de outra forma. Enquanto com embriões doados, meu filho tem irmãos e irmãs em algum lugar”.

” eu prefiro a doação de gametas. É uma história mais fácil de contar. É mais bonito que seja alguém que dá enquanto a adoção de embriões é mais complicada. É mais bonito do que uma mulher dá e eu recebo. Ele ainda terá meu sangue. Agora sabemos que através da epigenética há uma parte do eu na composição do embrião”.
“os embriões são de qualidade inferior, sendo os melhores implantados no casal original”.

“é mais fácil escolher doadores com nossas características, do que um embrião já formado.”

“uma doação de embrião é como um resíduo, um embrião que sai do freezer e que não sabemos o que fazer.”

“o espectro do abandono paira como uma sombra mais que negra na mesa do parto. A doação de embriões, que alguns comparam à adoção pré-natal, apresenta os mesmos riscos”.

 

A favor da recepção de embriões doados, pacientes relatam que:


“se alguém me oferecesse um embrião, eu ficaria muito feliz. O objetivo é ter um filho. Se recebo de um casal que teve as mesmas dificuldades que eu, não me incomoda em nada”.

” lamento que novos embriões sejam feitos quando tantos embriões estão esperando no fundo dos tanques refrigerados”.

“é um absurdo pagar uma mulher para fazer estimulação, receber uma doação de esperma e ter embriões e isso, de repente, eu os recebo quando já há embriões disponíveis que estão em boa forma”.

Segundo o Comitê de Prática da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM, 2021), uma avaliação clínica por um profissional de saúde mental licenciado e qualificado que recebeu treinamento e educação em reprodução assistida é fortemente recomendado para todos os doadores e receptores de gametas. Sugerem que as recomendações devem fornecer diretrizes gerais, abordando questões morais, éticas, emocionais e sociais relacionadas aos doadores de gametas, receptores e pessoas concebidas por doadores. Com relação aos doadores, a ASRM sugere uma avaliação com entrevista clínica e um teste padronizado, validado empiricamente, destinado à avaliação e/ou triagem de transtornos mentais e comportamentais, e deve seguir os padrões estabelecidos na prática profissional e ética. Com relação aos receptores de gametas/embriões doados, a sociedade pontua a importância de uma consulta psicoeducativa abordando as implicações da criação de uma família por meio da doação de gametas. O(s) destinatário(s) deve(m) ser aconselhado(s) sobre as potenciais implicações emocionais, morais, éticas e sociais relativas à construção de uma família usando a doação de gametas/embriões. Ressaltam que como o objetivo é psicoeducacional, caso surjam informações que indiquem que há preocupações com a saúde mental, bem-estar ou segurança do(s) destinatário(s) ou das crianças resultantes, um encaminhamento a um profissional qualificado independente deve ser feito para uma avaliação.

Huele et al. (2020) apontam que diversas pesquisas mostram que um vínculo genético entre pais e filhos não é condição para um relacionamento amoroso e carinhoso entre pais e filhos. Ressaltam que pacientes e médicos devem discutir qual tratamento seria adequado em cada caso específico. Na consulta com doadores e receptores indicam que é importante falar sobre a revelação precoce do modo de concepção da criança, as implicações de ter filhos criados em famílias com as quais eles não compartilham laços genéticos, expectativas em torno da troca de informações e contato entre doador e receptor, famílias ou irmãos geneticamente relacionados, quando não existe o anonimato do(a) doador(a).

Concluímos que, sendo os dois métodos permitidos no Brasil, é imperativo a escuta de quem vai doar, assim como de quem vai receber. O acolhimento psicológico possibilita a expressão dos sentimentos, dúvidas e desejos, propiciando uma reflexão que viabilize uma tomada de decisão coerente com os princípios morais/éticos/religiosos de cada paciente/casal.

Referências

ASRM – Committee for the Society for Assisted Reproductive Technology. Electronic address: ASRM@asrm.org (2021). Guidance regarding gamete and embryo donation. Fertility and Sterility, 115(6), 1395–1410. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2021.01.045

Gross, M. & Mehl, D. (2018). Infertilité: double don de gamètes ou don d’embryon? Dialogue, 222, 93-106. https://doi.org/10.3917/dia.222.0093

Huele EH, Kool EM, Bos AME, Fauser BCJM, Bredenoord AL. (2020). The ethics of embryo donation: what are the moral similarities and differences of surplus embryo donation and double gamete donation? Human Reproduction, 35(10), 2171-2178. doi: 10.1093/humrep/deaa166. PMID: 32772101.

Pennings G. (2022). Balancing embryo donation and double gamete donation, Human Reproduction, 37(3), 389–392. https://doi.org/10.1093/humrep/deab273