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Comitê: Psicologia

A infertilidade, o sujeito infértil e o mundo BANI

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Lia Mara Netto Dornelles

 

Que mundo é esse? BANI? Pois é…vivemos na Era do Caos, num mundo BANI. Descobri a sigla e a sua atualidade no artigo Era do caos: adeus mundo VUCA, bem-vindo mundo BANI, da professora de Administração da Universidade Estadual do Piauí, Vanessa Alencar. Até pouco tempo, nosso mundo era considerado VUCA, por alguns. Já explico. VUCA é a sigla em inglês formada pelas palavras Volatility (volatilidade), Uncertainty (incerteza), Complexity (complexidade) e Ambiguity, introduzida pelos americanos nos anos 90, relacionada à visão de um mundo futuro – um ambiente muito dinâmico, com dificuldade de prever coisas e de compreender o que estaria acontecendo.

Em outro artigo o professor Cláudio Skora argumenta sobre o desuso do termo para nos referirmos ao mundo atual: “Hoje, com a pandemia, as mudanças se aceleraram, vivemos em um mundo digitalizado e midiático, conectado, em um novo cenário que foi impulsionado por um fator imprevisível. Com isso, surge o Mundo BANI.” BANI, também do inglês, é a sigla formada pela primeira letra das palavras Brittle (frágil), Anxious (ansioso), Nonlinear (não linear) e Incomprehensible (incompreensível), criada pelo futurista e autor norte-americano Jamais Cascio, antes da pandemia da COVID-19, em 2018.

Mas o que isso tem a ver com infertilidade e sujeito infértil? Tomei emprestadas as reflexões dos professores citados acima e as transpus ao contexto da infertilidade. Sim, a conectividade, a virtualidade, o avanço da ciência nos inserem em um mundo sem fronteiras, no qual a história é contada e compartilhada (imagem e som) “em tempo real”. Acredito que para muitos indivíduos, o contexto da infertilidade se aproxima de um viver na “Era do Caos”, em um Mundo BANI.

O diagnóstico de infertilidade surge na contramão dos planos traçados pelo indivíduo, contrariando suas expectativas. Ao tomá-lo de assalto, escancara sua vulnerabilidade e o coloca cara-a-cara com o incompreensível, com algo impossível de ser metabolizado e processado por um psiquismo frágil. Ameaça seu projeto parental, trazendo novos e multifacetados desafios. Na eminência de ver seu desejo de tornar-se pai/ mãe impedido de realizar-se, busca ajuda de um profissional especialista em fertilidade e ingressa numa jornada na qual a única certeza é que não há garantias de sucesso. A incerteza desacomoda o previsível, questiona o binômio causa-efeito: seu desejo não resultou em sucesso. Vive com amargura e ansiedade as consequências de um mundo não-linear, imprevisível. Estressantes, dolorosos e desgastantes, os tratamentos demandam altos investimentos afetivos, físicos, financeiros, dentre outros.

Frente ao ineditismo da situação e dos recursos emocionais de cada indivíduo, antigos conflitos poderão ser acionados, levando a sofrimentos intensos e à ruptura de laços afetivos. Será que o entramado do Mundo BANI requer ainda mais do sujeito infértil ao testar seus limites em relação à fragilidade e ao quantum de ansiedade que é capaz de suportar? Tirá-lo da ilusão de controle e previsibilidade dos eventos que circunscrevem a parentalidade fere com maior profundidade seu narcisismo? Tentar compreender o que por vezes é incompreensível no contexto da infertilidade esgaça ainda mais um psiquismo fragilizado? Esses são apenas questionamentos sem respostas e que causam turbulências importantes na vida do sujeito infértil. O que se sabe é que a abertura ao imprevisível, ao novo, considerar a ideia de trilhar outros caminhos possíveis, flexibilidade e postura resiliente, são elementos indispensáveis para acolher o seu próprio sofrimento e angústia. Compartilhar a sua experiência pode ser também uma nova forma de viver a vida, uma vida possível e mais feliz.