Por Grazielle Viola e Susan Verillo
Durante o mês de Outubro, em face do Outubro Rosa, anualmente, diversas ações de conscientização são realizadas com o objetivo de alertar mulheres e sociedade sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama e colo do útero.
O câncer é considerado um problema mundial de saúde pública e encontra-se entre as principais causas de morte prematura. A incidência e a mortalidade vêm aumentando, em parte pelo envelhecimento da população aliado ao crescimento populacional e parte pela prevalência dos fatores de risco, principalmente os associados às condições socioeconômicas e hábitos de vida.
Estimativas mundiais apontam que, em 2018, ocorreram 17 milhões de novos casos de câncer e 9,6 milhões de óbitos. No Brasil, estima-se que durante o triênio 2020-2022, para cada ano, ocorrerão 625 mil novos casos de câncer, sendo o câncer de mama o mais prevalente entre as mulheres e o de próstata entre os homens.
A Tabela 1 mostra as estimativas para o ano de 2020 das taxas brutas e ajustadas de incidência por 100 mil habitantes e do número de casos novos de câncer, segundo sexo e localização primária. A Figura 1 traz a incidência dos principais cânceres, segundo sexo.
Tabela 1: Estimativa dos casos novos de câncer para 2020, segundo localização primaria e sexo
Fonte: INCA, 2019.
Figura 1: Distribuição dos dez tipos de câncer mais incidentes estimados para 2020 por sexo, exceto melanoma
Fonte: INCA, 2019.
O diagnóstico do câncer ocorre em pacientes cada vez mais jovens e em estadiamentos mais precoces. A incidência de câncer em mulheres em idade reprodutiva é de 48,7 / 100.000 entre 15 e 39 anos e 180,1 / 100.000 entre a faixa etária de 40 a 44 anos.
As opções terapêuticas de tratamento são agressivas podendo levar à infertilidade temporária ou permanente, seja pela remoção dos órgãos reprodutivos, através de abordagem cirúrgica, ou pela ação gonadotóxica da quimioterapia e radioterapia sobre a função ovariana e testicular. Porém, graças a programas de rastreamento mais amplos, diagnósticos mais rápidos e estratégias terapêuticas mais eficazes, a taxa de sobrevida aumentou, levando os médicos a se concentrarem, também, em questões de qualidade de vida a longo prazo, incluindo o acesso à parentalidade.
A luz desta necessidade, surge o termo Oncofertilidade. Tal especialidade visa ajudar pacientes com câncer a manterem a sua fertilidade preservada, através de técnicas de Reprodução Assistida, para que no futuro, após tratamento da doença, possam ter a oportunidade de constituir família.
Muitos são os aspectos a serem pontuados individualmente para trilhar o tratamento de preservação. A estratégia escolhida será influenciada por vários fatores, como: tipo, localização e estágio do câncer; dose e número de ciclos de quimioterapia; quantidade de radioterapia aplicada; idade; reserva ovariana da paciente; estado civil (ou se possui parceiro); aceitação de esperma ou óvulos doados; desejo de congelar embriões; e a possibilidade de pagar por esses serviços.
A preservação da fertilidade deve ocorrer antes do início da terapêutica oncológica, pois mesmo um único ciclo medicamentoso pode afetar a qualidade e integridade do DNA de espermatozóides e óvulos.
Para mulheres, as opções terapêuticas são: Criopreservação de oócitos, criopreservação de embriões, criopreservação de tecido ovariano e transposição dos ovários.
Na criopreservação de oócitos, o ovário é estimulado com hormônios e os óvulos são captados. Caso opte pela criopreservação de embriões, estes óvulos serão fertilizados com esperma no laboratório e os embriões resultantes são vitrificados e armazenados para uso futuro. A técnica é considerada eficaz e segura, com taxas de gravidez de cerca de 60% em mulheres jovens, porém é restrita a pacientes que não necessitam de início imediato do tratamento, uma vez que este processo de estimulação ovariana controlada pode levar de 2 a 4 semanas para ser concluído.
Meninas pré-menarca ou pacientes que necessitam de tratamento oncológico imediato podem optar por criopreservação de tecido ovariano. Através de videolaparoscopia, fragmentos do córtex ovariano (onde contém os folículos primordiais) são extraídos e congelados, para posterior reimplantação. Esta técnica deixou de ser considerada experimental pelo Comitê de Práticas da ASRM, em 2019. Pesquisa apresentada por MM Dolmans no 3rd IVF Congress mostrou que mesmo após 5 anos pós-transplante, 50% das mulheres ainda apresentavam função ovariana preservada. A taxa de concepção natural foi de 40%, a taxa de gravidez após a fertilização in vitro foi de 36%, as taxas de nascidos vivos foram de 30% para a concepção natural e 21% em mulheres submetidas à fertilização in vitro.
Para preservação da fertilidade masculina, a coleta de espermatozoides para criopreservação é indicada, seja por masturbação ou extração direta do testículo, através de processo microcirúrgico.
Embora o congelamento seminal seja uma opção simples, rápida e fácil, há também a possibilidade de criopreservação de tecido testicular. Este procedimento oferece uma opção a longo prazo, principalmente em tumores que alteram a qualidade do sêmen e em meninos pré-púberes.
A luta contra o tempo é constante.
Médicos e enfermeiros que atuam em centros oncológicos devem conhecer essas técnicas para orientar e conscientizar seus pacientes sobre a importância da preservação da fertilidade, riscos e benefícios, e como isso pode ser feito. Pesquisas indicam que menos de 50% dos pacientes oncológicos adultos em idade fértil receberam uma orientação adequada sobre as suas opções de preservação da fertilidade antes do início do tratamento.
Os Serviços de Oncologia e de Reprodução Humana devem trabalhar em conjunto, num sistema refrência-contra-referência, avaliando os casos potenciais para oncopreservação e oferecendo suporte durante toda jornada do paciente.
A Oncofertilidade é um desafio. Esta temática ainda precisa ser mais estudada, discutida e divulgada. Integrados, Oncologia e Reprodução Humana proporcionarão aos pacientes oncológicos, um sentimento de esperança, uma força a mais para lutar e chegar a um futuro cheio de possíveis realizações.
Referências
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