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Comitê: Psicologia

Quando a surpresa bate à porta.

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Por Kátia Maria Straube

 

Há pouco tempo, participei de um workshop, com uma temática peculiar – A celebração da surpresa em nosso tempo, a cargo de Saúl Fúks, especialista em Facilitação Sistêmica de Processos Coletivos, terapeuta de casais, famílias e grupos. A pandemia, ainda em curso, trouxe, sem dúvida, uma avalanche de oportunidades por meio das plataformas digitais, como este workshop.  O tema-foco do encontro instiga a curiosidade. Falar em surpresa, nos dias de hoje, tornou-se pertinente, considerando a recente experiência surpresiva da pandemia do Coronavírus. 

Um processo de reflexividade pode surgir daí, como diz Dr. Fúks, especialmente a nós que nos ocupamos da saúde emocional. Convida-nos a visitar um território intrigante: o do olhar para as certezas e incertezas que a vida oferece. Quando assim o fazemos, o confronto com o incerto, o inesperado, o improvável, se revela, trazendo consigo um lugar desconfortável, muitas vezes doloroso, que tende a ser negligenciado quanto às suas consequências: ligar o automático e seguir em frente, sugere a falsa crença de estar no controle de tudo. 

A história recente mostra alguns marcos contemporâneos do improvável como o 11 de setembro, e agora, o recente março de 2020 (ou dezembro de 2019), pela magnitude de seu alcance na coletividade. O inesperado chega, toma assento e traz o impensável, a surpresa, a desestabilização, junto a sentimentos de perplexidade e desorientação, na contramão da necessidade de estabilidade e segurança, sempre bem-vinda na pós-modernidade. No contexto do inesperado, há surpresas agradáveis e surpresas que alimentam medo, terror. E há, também, a frequente não percepção da linha tecida na relação entre surpresa, curiosidade e conhecimento.  

Dr Fúks lembra que a surpresa antecede a curiosidade e esta, alimenta o desejo de conhecer – o mundo, os fenômenos, o eu, o outro – o que acontece tanto na ciência como na vida pessoal, o tempo todo. Quando se olha para o mundo e não há perguntas, não há curiosidade, “tudo é como tem que ser”. Se a surpresa não é enclausurada, pode alimentar perguntas e o que se faz com essas perguntas fornece a qualidade das conversas consigo mesmo, estimulam o autoconhecimento e o conhecimento das “vozes” que habitam em nós. A inquietação contida nas perguntas leva a conhecer o diferente, a diversidade, elemento importante para desenvolver empatia.

No tecer desta linha tênue é possível olhar para os revezes da fertilidade, quando alguém se depara com a surpresa do não conseguir conceber naturalmente. Impensada, improvável, trata-se de uma surpresa que desestabiliza a vida, os projetos, os sonhos, concretizada pelas tentativas frustradas, por um diagnóstico incapacitante e inesperado. Quando a incerteza adentra a vida, coloca interrogações dolorosas, difíceis de calar, que ecoam na vida diária, no trabalho, na família, na vida social.  A começar pelo: por que eu?, ilustração da surpresa estigmatizante, parceira da surpresa pela perda da gestação natural, do não poder gestar, do ver sua vida íntima exposta, do não poder usar seu material genético para procriar, do não poder participar de conversas sociais sobre filhos, educação, escolas, do ver seu filho crescendo no ventre de outra mulher, do não se sentir parte de uma sociedade supostamente fértil que facilmente procria, do sentir-se marginalizado, diferente… Um momento repleto de riscos e possibilidades.

Cabe a nós, profissionais da saúde mental e emocional, dar espaço ao compartilhamento da surpresa, à consciência da impermanência das coisas, à curiosidade sobre o que fazer com o que se tem no momento, a essa experiência de proximidade, costurando surpresa, curiosidade, conhecimento e autoconhecimento, ao singular de cada história vivida. Como bem lembra Dr. Fúks, a surpresa do inesperado instiga a criatividade e abre portas a possibilidades: como estava a vida antes da surpresa?, quais eram os planos? 

Quando a surpresa bate à porta, cabe a nós fazer o convite para adentrar situações não habituais e estimular a criatividade tendo em vista que trocas como essas, podem promover a leveza, tão necessária para o enfrentamento de desafios, como o de viver a infertilidade.