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Comitê: Infertilidade

Infertilidade: definição, quando e como investigar

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Cesar Cornel1, Giuliano Bedoschi1

¹ Comitê de infertilidade da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana

Definição de Infertilidade

A infertilidade é historicamente caracterizada como uma doença marcada pela incapacidade de estabelecer uma gravidez clínica após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas, ou ainda, devido a uma limitação na capacidade de reprodução individual ou conjugal, manifestando-se como uma deficiência funcional1.

A nova definição de infertilidade preconizada pela ASRM (American Society for Reproductive Medicine) reconhece explicitamente a necessidade de intervenção médica, incluindo, mas não se limitando ao uso de gametas ou embriões doados, para alcançar uma gravidez bem-sucedida, seja individualmente ou com um parceiro. Esta inclusão reflete uma abordagem mais abrangente e inclusiva, alinhando-se com o reconhecimento das “novas famílias”. Tal reconhecimento abraça não apenas casais heteroafetivos enfrentando dificuldades de fertilidade, mas também indivíduos solteiros e casais do mesmo sexo que desejam construir uma família. Esta perspectiva moderna destaca a importância de acessibilidade e igualdade no tratamento da infertilidade, garantindo que todas as pessoas, independentemente de sua configuração familiar, possam buscar apoio para realizar o sonho da parentalidade2.

 

Quando devemos investigar?

A determinação do momento adequado para iniciar a investigação da infertilidade é crucial e deve equilibrar as preocupações do casal com o risco de investigações excessivas em casais que possuem uma chance razoável de concepção espontânea. Em pacientes sem nenhuma etiologia conhecida que sugira uma capacidade reprodutiva comprometida para qualquer um dos parceiros, a avaliação deve ser iniciada após 12 meses quando a parceira feminina tem menos de 35 anos de idade, e após 6 meses quando a parceira feminina tem 35 anos de idade ou mais. Casais em que a parceira feminina possua mais de 40 anos podem necessitar de uma avaliação e tratamento mais imediatos. Esse critério temporal leva em consideração a influência significativa da idade na fertilidade feminina, com redução das taxas de fecundidade e aumento das taxas de aborto espontâneo à medida que a idade da mulher avança, e na urgência de diagnóstico e tratamento adequados para casais em diferentes faixas etárias2. Intervenções para avaliação de causas possíveis de infertilidade podem ser iniciadas em menos de um ano, com base na história médica, sexual e reprodutiva, idade, achados físicos e testes diagnósticos do indivíduo.

 A presença de um fator potencial de infertilidade na história do casal exige uma abordagem mais imediata. Em situações onde há históricos médicos ou indicativos de possíveis complicações reprodutivas, é prudente iniciar as investigações mais cedo. Finalmente, é razoável começar as investigações sempre que os pacientes apresentarem preocupações ou dúvidas sobre sua capacidade de conceber, garantindo que todas as questões sejam abordadas prontamente e de maneira personalizada.

A investigação adequada da infertilidade permite não apenas identificar a(s) causa(s) da incapacidade de um casal conceber, mas também serve a múltiplas finalidades essenciais para um manejo adequado dessa condição complexa. Inicialmente, o processo ajuda o casal a entender as razões subjacentes à dificuldade de conceber, proporcionando não apenas um senso de clareza, mas também um alívio emocional significativo. O trabalho conjunto de uma equipe multidisciplinar envolvendo o apoio médico-psicológico permite a tomada de decisões conscientes e informadas sobre as opções de tratamento disponíveis.

Além disso, a investigação é vital para identificar quaisquer patologias associadas ou subjacentes. Muitos casos de infertilidade estão diretamente relacionados a condições médicas tratáveis ou gerenciáveis, e ao identificá-las, não só se pode melhorar as chances de concepção, mas também a saúde geral do casal. Um prognóstico preciso é outro resultado importante da investigação, fornecendo aos médicos e ao casal informações valiosas sobre as chances efetivas de sucesso com diferentes tratamentos de fertilidade. Isso é fundamental para o planejamento futuro e para estabelecer expectativas realistas.

A elaboração de um plano de tratamento personalizado é uma etapa chave que se segue à investigação, permitindo a escolha das intervenções mais adequadas para maximizar as chances de uma concepção bem-sucedida. Isso pode incluir desde métodos naturais até tecnologias avançadas de reprodução assistida.

Por fim, cada investigação de infertilidade contribui para o avanço do conhecimento médico na área da medicina reprodutiva. Isso não apenas beneficia o casal em questão, mas também amplia a compreensão das causas e dos tratamentos da infertilidade, ajudando futuros casais a enfrentar desafios semelhantes. Portanto, a investigação da infertilidade é uma prática que transcende o caso individual, tendo um impacto positivo na saúde reprodutiva como um todo.

Como investigar?

Ao avaliar a infertilidade, é fundamental reconhecer que as causas podem ser amplamente categorizadas em masculinas, femininas, do casal ou, em alguns casos, permanecer inexplicadas. Toda  avaliação deve iniciar por uma boa anamnese com informações precisas da história pregressa individual, familiar e conjugal, pois além das causas anatômicas, não devemos menosprezar informações sobre o comportamento sexual do casal e também pregresso como inicio de atividade sexual e numero de parceiros. Antecedentes de violência sexual e gravidez não desejada anteriormente podem justificar fatores comportamentais concorrentes. Objetivamente, a avaliação masculina, compreende avaliar os fatores que afetam a qualidade e quantidade de espermatozoides, enquanto a feminina, compreende a investigação funcional e anatômica como a ovulação, a saúde das trompas de Falópio e a condição do útero. Com uma frequência expressiva, a infertilidade do casal resulta de uma combinação de fatores de ambos os parceiros, exigindo uma abordagem integrada para diagnóstico e tratamento. Assim, recomenda-se sempre a investigação conjunta do casal para que o diagnostico seja realizado o mais breve possível. A demora na investigação pode acarretar em prejuízo nos tratamentos, frustação e muitas vezes desistência por parte de continuidade.  Contudo, mesmo após uma avaliação extensiva, cerca de 15% dos casos são classificados como infertilidade inexplicada, onde as causas  específicas não são identificadas.

A investigação da infertilidade feminina deve incluir a avaliação do estado ovulatório, a estrutura e a permeabilidade do trato reprodutivo feminino3

Recomenda-se o uso da histerossalpingografia ou da histerossonossalpingografia para avaliar a permeabilidade tubária. Em mulheres com ciclos menstruais regulares, variando de 21 a 35 dias, testes adicionais para confirmar a ovulação geralmente não são necessários, a menos que haja manifestações de hiperandrogenismo. Os testes de reserva ovariana não devem ser usados como exames de triagem em mulheres que não atendem aos critérios de infertilidade, mas podem complementar a avaliação de mulheres inférteis.

Além dos casos em que exista o diagnóstico de infertilidade, os exames realizados na avaliação da fertilidade podem ser justificados em mulheres que buscam tratamentos com sêmen de doador, que sofreram perdas gestacionais recorrentes ou que realizarão tratamento de reprodução assistida no contexto de aplicação dos testes genéticos pré-implantação em situações de fertilidade presumida. 

Não se recomenda a inclusão de laparoscopia, testes avançados de função espermática, testes pós-coital, testes de trombofilia, testes imunológicos, cariótipo e biópsia endometrial como parte da avaliação rotineira da infertilidade sem outras indicações clínicas específicas.

A avaliação e o manejo dos homens em um casal enfrentando infertilidade seguem um processo passo a passo, que inclui a avaliação e a consulta sobre as opções de tratamento. Um entendimento crescente das condições gerais de saúde associadas à infertilidade masculina é essencial tanto para o aconselhamento quanto para o diagnóstico da causa subjacente da infertilidade.

A avaliação inicial da fertilidade masculina deve começar com um histórico reprodutivo detalhado, considerado um princípio clínico. Além disso, a avaliação inicial deve incluir uma ou mais amostras de espermograma. Estas análises são fundamentais para avaliar a qualidade e a quantidade dos espermatozoides, que são indicadores críticos da fertilidade masculina4.

Homens com um ou mais parâmetros anormais do espermograma ou com suspeita de infertilidade masculina devem ser avaliados por um especialista em reprodução humana, que realizará uma história clínica completa e exame físico, além de outros testes direcionados, conforme indicado. 

Além disso, em casais que enfrentaram ciclos de tratamento de reprodução assistida sem sucesso ou perdas gestacionais recorrentes (duas ou mais perdas), a avaliação da fertilidade masculina deve ser considerada.

Avaliações hormonais, incluindo a medição do hormônio folículo-estimulante (FSH) e testosterona, devem ser realizadas em homens inférteis que apresentem libido diminuída, disfunção erétil, oligozoospermia ou azoospermia, testículos atróficos ou evidências de anormalidade hormonal na avaliação física. Esta abordagem é recomendada para identificar e tratar possíveis causas endócrinas subjacentes à infertilidade.

Homens com azoospermia devem passar por uma avaliação clínica para diferenciar a obstrução do trato genital de uma produção espermática prejudicada, baseando-se inicialmente no volume do sêmen, exame físico e níveis de FSH.

Para homens com infertilidade primária e azoospermia ou oligozoospermia severa (menos de 5 milhões de espermatozoides/mL), acompanhada de FSH elevado ou atrofia testicular, é recomendada a análise de cariótipo e microdeleção do cromossomo Y, visando identificar causas genéticas para a produção espermática comprometida.

O teste de portador da mutação do Regulador da Condutância Transmembrana da Fibrose Cística (CFTR), incluindo a avaliação do alelo 5T, deve ser recomendado para homens com agenesia dos ductos deferentes ou azoospermia obstrutiva idiopática, a fim de identificar possíveis causas genéticas da condição.

Para homens portadores de uma mutação CFTR, é aconselhável que a parceira feminina também passe por uma avaliação genética, ampliando a compreensão das implicações reprodutivas do casal.

A análise da fragmentação do DNA espermático não é recomendada na avaliação inicial do casal infértil. Essa análise pode ser considerada em etapas subsequentes, dependendo de casos específicos, como perdas gestacionais recorrentes.

Homens com aumento de células redondas no espermograma (mais de 1 milhão/mL) devem ser avaliados para diferenciar células brancas de células germinativas, e a presença de células brancas deve levar a uma avaliação da presença de infecção.

Testes de anticorpos antiespermatozoides não devem ser realizados na avaliação inicial da infertilidade masculina, e a biópsia testicular diagnóstica não deve ser rotineiramente realizada para diferenciar entre azoospermia obstrutiva e azoospermia não obstrutiva.

Conclusão

O reconhecimento da infertilidade como uma condição complexa que afeta muitos casais em todo o mundo é essencial. A abordagem multidisciplinar, que inclui avaliação detalhada tanto do parceiro masculino quanto do feminino, é fundamental para entender as causas subjacentes e fornecer o tratamento mais eficaz. Os avanços na medicina reprodutiva têm ampliado significativamente as opções disponíveis para casais enfrentando desafios de fertilidade, permitindo muitos a realizarem o sonho de construir uma família. Enfatizamos a importância do diagnóstico precoce e objetivo permitindo uma abordagem personalizada, baseados em uma compreensão profunda dos fatores que contribuem para a infertilidade. Este boletim destaca a necessidade de um suporte compassivo e informado aos casais durante sua jornada de fertilidade, reforçando a esperança e o potencial de sucesso através da ciência e da empatia.

Referências

  1. Zegers-Hochschild F, Adamson GD, Dyer S, Racowsky C, de Mouzon J, Sokol R, Rienzi L, Sunde A, Schmidt L, Cooke ID, Simpson JL, van der Poel S. The International Glossary on Infertility and Fertility Care, 2017. Fertil Steril. 2017 Sep;108(3):393-406. doi: 10.1016/j.fertnstert.2017.06.005. Epub 2017 Jul 29. PMID: 28760517.
  2. Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine, American Society for Reproductive Medicine. Definition of infertility: a committee opinion. Fertil Steril. 2023. Dec; 120(6):1170. Doi: 10.1016/S0015-0282(23)01971-4
  3. Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Electronic address: asrm@asrm.org; Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Fertility evaluation of infertile women: a committee opinion. Fertil Steril. 2021;116(5):1255-1265. doi:10.1016/j.fertnstert.2021.08.038
  4. Schlegel PN, Sigman M, Collura B, et al. Diagnosis and treatment of infertility in men: AUA/ASRM guideline part I. Fertil Steril. 2021;115(1):54-61. doi:10.1016/j.fertnstert.2020.11.015

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