Vinicius Medina Lopes 1,2, Rui Alberto Ferriani 1,3

1 -Membro do Comitê de Infertilidade da SBRH

2- Departamento clínico de reprodução assistida, Instituto VERHUM/FERTGROUP

3 -Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP.

Esta publicação apresenta de forma prática, os principais pontos abordados no último guideline de infertilidade sem causa aparente (ISCA), da Sociedade Européia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE).  

Introdução:

A infertilidade sem causa aparente acomete cerca de 30% dos casais inférteis. Este é um diagnóstico de exclusão, quando não são encontradas na mulher anormalidades na função ovulatória, trompas, útero, cérvix e pelve, em mulheres até 40 anos. O parceiro deve apresentar normalidade na função testicular, anatomia gênito-urinária e espermograma normais. O casal deve ter passado por pelo menos 12 meses de tentativas, com relações desprotegidas, a cada 2-3 dias, na janela fértil. 

Para ser enquadrado como um caso de ISCA, os ciclos menstruais devem ser regulares com intervalos de 24-38 dias, com até 8 dias de fluxo. A variação dos ciclos deve ser de 7-9 dias entre o mais curto e mais longo. Os critérios de normalidade do sêmen são os adotados pela OMS, sexta edição. Quando a primeira análise está abaixo do percentil 5, um segundo exame deve realizado com intervalo de 3 meses.

Tabela 1: Valores de referência para o percentil 5 de homens na população (OMS, 2021)

Parâmetro 5º percentil 95% intervalo de confiança
Volume de sêmen 1,4 ml 1.3-1.5 ml
Concentração de espermatozoides 16 x 106 por ml 15-18 x 106 por ml
Número total de espermatozoides 39 x 106 por ejaculado 35-40 x 106 por ejaculado
Motilidade total (MP+NP) 42% 40-43%
Motilidade progressiva (MP) 30% 29-31%
Motilidade não progressiva (NP) 1% 1-1%
Espermatozoides imóveis (IM) 20% 19-20%
Vitalidade 54% 50-56%
Formas normais 4% 3.9-4.0%

 

Diagnóstico:

 

Ovulação:

Em mulheres com ciclos regulares, os testes para confirmar a ovulação não são recomendados de forma rotineira. 

Recomendações: 

Em mulheres com ciclos regulares, se a confirmação for necessária, testes urinários para detecção do pico de LH, monitorização ultrassonográfica ou dosagem da progesterona na fase lútea tardia podem ser utilizados. O teste considerado padrão ouro para confirmar a ovulação é a ultrassonografia transvaginal.

Função do corpo lúteo:

Inexiste uma referência de concentração mínima de progesterona necessária para que uma gestação ocorra. Mesmo na presença de um limite mínimo de progesterona sérica, na fase lútea média, em que haja pior prognóstico em termos de nascido vivo, não há evidências de que a administração de progesterona exógena melhore a perspectiva gestacional.

Recomendações:

  Em mulheres com ciclos menstruais regulares, não está recomendado de forma rotineira a dosagem da progesterona sérica na fase lútea.

•  Na investigação de mulheres inférteis, a biópsia de endométrio para avaliação histológica não está recomendada, na ausência de outras indicações. 

Reserva ovariana: 

A maior parte dos trabalhos evidencia a inexistência de relação entre reserva ovariana e as chances de concepção espontânea. Mulheres com baixa reserva ovariana, desde que menstruem regularmente, apresentam as mesmas chances de concepção espontânea, em relação às mulheres com boa reserva na mesma faixa etária. 

Estas observações excluem a baixa reserva ovariana como causa de infertilidade. 

Recomendações: 

  Em mulheres com ciclos regulares, a avaliação da reserva ovariana não está indicada para diagnosticar a etiologia da infertilidade, nem para predizer a probabilidade de concepção espontânea entre 6-12 meses.

Fator tubário: 

Os fatores de risco para obstrução tubária são: passado de infecção por clamídia, Doença Inflamatória pélvica (DIPa) ou peritonite; endometriose, cirurgia pélvica, incluindo salpingectomia para tratamento de gestação ectópica.

A histerossonossalpingografia (HyCoSy) é mais segura em relação à histerossalpingografia (HSG) e laparoscopia e pode ser realizada imediatamente à ultrassonografia permitindo a avaliação da cavidade uterina e trompas em apenas um teste. A não utilização de anestesia geral ou exposição a irradiação seriam outras vantagens da HyCoSy. 

Recomendações: 

Histerossonossalpingografia (HyCoSy) e histerossalpingografia (HSG) são testes válidos para avaliar a permeabilidade tubária em comparação com a laparoscopia e cromotubagem.

A HSG e HyCoSy apresentam a mesma capacidade diagnóstica e a seleção da técnica depende da preferência do médico e da paciente.  

Em pacientes de alto risco para anormalidades tubárias, a avaliação da permeabilidade é necessária.

•  Pode-se considerar a realização de testes de sorologias para clamídia, com intuito de avaliar a permeabilidade tubária de uma maneira não invasiva e diferenciar as pacientes de baixo ou alto risco para obstrução tubária. 

Fator uterino:

Apesar da ultrassonografia em 2D mostrar bons resultados no diagnóstico das patologias uterinas, o exame em 3D mostra-se mais eficaz e deve ser realizado quando possível. 

A histeroscopia e a HyCoSy evidenciam algumas patologias que poderiam passar desapercebidas pela ultrassonografia, como pólipos ou septo. Apesar disto, como a presença destes achados dificilmente teriam algum impacto na gestação, estes exames não têm indicação rotineira.

Em relação a acessibilidade e custos da HyCoSy e histeroscopia, a HyCoSy deve ser priorizada quando a avaliação da cavidade uterina for necessária.  

Recomendações: 

•  A ultrassonografia, de preferência em 3D, está recomendada para excluir anormalidades uterinas nas pacientes com ISCA. 

•  Quando a ultrassonografia sugere que a cavidade uterina se encontra normal, não há necessidade de nenhuma outra avaliação. 

  A ressonância magnética nuclear (RMN) não é recomendada como primeira linha de investigação do útero nos casos de ISCA.

Laparoscopia:

Apesar de existirem outros métodos para avaliação do fator tubário, a laparoscopia é o único que permite a visualização direta da permeabilidade das trompas, a anatomia da pelve e a presença de endometriose mínima e leve. 

Considerando que a laparoscopia diagnóstica não é isenta de riscos, necessita de anestesia geral, período de convalescência, e apresenta custo elevado, este procedimento só está indicado em pacientes com resultado anormal de HSG ou alto risco de doença tubo-peritoneal. 

Recomendação:

  A laparoscopia não está recomendada de forma rotineira para pacientes com ISCA.

Fator Cervical/vaginal:

Em relação ao teste pós-coital, a taxa cumulativa de gestação é similar entre aquelas com teste positivo e negativo. Além disto, como é um teste invasivo para a paciente e não modifica a conduta a ser adotada, este teste não é recomendado na investigação da infertilidade.

Quanto a microbiota vaginal, existe uma dificuldade para avaliar a sua importância, tendo em vista a grande variação de métodos de detecção apresentada nas publicações. Outro viés, é o período do ciclo em que as amostras são coletadas e a definição de dominância lactobacilar. Tão pouco, existem evidências de que a correção de uma flora vaginal anormal, melhoraria a fertilidade. Portanto, não há evidências para realização de teste de microbiota vaginal em casais com ISCA. 

Recomendações: 

  A avaliação da microbiota vaginal só deve ser realizada em caráter de pesquisa científica. 

  O teste pós-coital não é recomendado para casais com ISCA.

Fator masculino

Não há benefícios na realização de ultrassonografia com doppler em homens com exame físico e espermograma normais. Porém, em casos de anomalia nos parâmetros seminais, o exame pode ser benéfico no diagnóstico etiológico.

A realização de pesquisa de anticorpos anti-espermatozoides apresenta vários questionamentos devido a qualidade dos trabalhos relacionando o exame com a fertilidade e a falta de parâmetro de normalidade. Portanto o exame não está recomendado em casais com ISCA.

Várias meta-análises sugerem um efeito adverso da elevada fragmentação do DNA espermático na concepção espontânea e assistida. Existem diferentes testes que avaliam a fragmentação do DNA espermático. Apresentam diferentes valores de referência e capacidade em predizer o sucesso de concepção espontânea ou através de reprodução assistida. Portanto, o exame ainda não está recomendado na pesquisa do casal com ISCA.

A estrutura anormal da cromatina dos espermatozoides pode danificar o DNA. Porém existem poucos trabalhos validando os testes, valores de referência, e tão pouco a aplicação clínica dos testes que avaliam a condensação da cromatina espermática. Portanto ainda não está recomendado em casos de ISCA. 

A incidência de aneuploidia espermática é rara em homens férteis. É mais comum em homens com defeitos na espermatogênese, azoospermia, oligozoospermia, ou em casos de homens cuja parceira tem perda gestacional recorrente. Deste modo, a pesquisa para aneuploidia espermática não está recomendada nos casos de ISCA.

Não há dúvidas que a integridade do eixo hipotálamo-hipófise-testicular é fundamental para espermatogênese. Este guideline considera que a presença de uma amostra seminal normal seria o suficiente para atestar a funcionalidade deste eixo, não sendo necessária a dosagem de qualquer hormônio. 

Recomendações:

 Exames de imagens não são recomendados nos casos de análise seminal com critérios de normalidade pela OMS. 

 Não há evidências de benefícios na pesquisa de anticorpos anti-espermatozóides nos casos de análise seminal com critérios de normalidade pela OMS. 

 A pesquisa para fragmentação de DNA espermático, testes de aneuploidia e de condensação da cromatina espermática, não estão recomendados quando a análise seminal se encontra nos critérios de normalidade da OMS.

 Não está recomendada a dosagem de hormônios relacionados ao eixo hipotélamo-hipófise-testicular nos casos de análise seminal com critérios de normalidade pela OMS. 

 O diagnóstico de HPV ou testes de microbiologia não estão recomendados nos casos de análise seminal com critérios de normalidade pela OMS. 

 

Condições sistêmicas 

 

Recomendações:

• A avaliação do IMC é considerada boa prática pré-concepcional.  

• A dosagem do TSH é considerada uma boa prática pré-concepcional. Nos casos de normalidade, nenhuma investigação adicional tireoidiana está recomendada. 

  A pesquisa para doença celíaca na parceira pode ser considerada.

  A avaliação do estresse oxidativo no sêmen pode ser considerada no contexto de pesquisa científica.

 A pesquisa para anticorpos tireoidianos ou anti-espermatozoides no soro, não está recomendada.

 A pesquisa de trombofilias em mulheres com ISCA não está recomendada.

 A avaliação do estresse oxidativo na mulher não está recomendada.

 Testes genéticos, inclusive cariótipo do casal não são recomendados.

 A dosagem de vitamina D e prolactina não está recomendada.

Tratamentos:

Sabe-se que após a avaliação do casal infértil e diagnóstico de ISCA, alguns casais terão gestação espontânea. O grupo de melhor prognóstico para que isto aconteça é aquele em que as mulheres são mais jovens e com pouco tempo de infertilidade.

Não há evidências de superioridade ou consenso entre os modelos disponíveis que avaliam os fatores prognósticos para obtenção de uma gestação espontânea. 

A utilização de um destes modelos, pode ajudar na decisão sobre adotar uma conduta expectante ou iniciar algum tipo de tratamento, levando em consideração o desejo do casal.

O uso de indutores da ovulação associado a coito programado não aumenta a perspectiva de gravidez em relação a conduta expectante.

Recomendações:

A decisão em adotar a conduta expectante deve ser tomada de acordo com o prognóstico do casal. 

A inseminação intra-uterina (IIU) associada à hiperestimulação ovariana controlada é a primeira linha de tratamento em casais com ISCA.

Se utilizado o esquema de gonadotrofinas em baixa dose, com intuito de reduzir as chances de gestação múltipla, deve ser feita adequada monitorização da resposta ovariana. 

A indicação da FIV deve ser individualizada, levando em consideração a idade da mulher, duração da infertilidade, gestação e tratamentos prévios.

  A histerossalpingografia utilizando meio de contraste oleoso deve ser priorizada em relação ao contraste solúvel em água. Os riscos e benefícios em realizar o flushing tubário devem ser discutidos com o casal. 

 A ICSI não apresenta melhores resultados em relação a FIV convencional, portanto não está recomendado seu uso rotineiro em casais com ISCA.

 A histeroscopia não está indicada quando não há evidências de anormalidade nos exames de imagens de rotina. 

 A injúria endometrial não está recomendada.

 

Terapias alternativas:

Apesar do custo não ser elevado, não existem boas evidências para o uso rotineiro de antioxidantes para homens e mulheres com ISCA.

As evidências para uso de acupuntura em casais com ISCA são de baixa qualidade, e se restringem basicamente aos tratamentos de FIV. Não existe consenso sobre os pontos a serem agulhados ou momentos certos para realizar o procedimento. 

Recomendações:

Estão recomendados os exercícios físicos regulares, dieta saudável e terapia comportamental quando indicada. 

 Terapias antioxidantes para homens e mulheres com ISCA provavelmente não são recomendadas. 

 O uso de acupuntura, para as mulheres, provavelmente não é recomendado.

 O uso de inositol, para as mulheres, provavelmente não é recomendado.

 O apoio psicológico, incluindo psicoterapia, deve ser recomendado de acordo com as necessidades do casal.

 

Considerações finais: 

A abordagem de um casal que tem dificuldades de engravidar deve ser sempre baseada em fatores prognósticos, como tempo de exposição à concepção e idade, principalmente da mulher. Casos sem causa aparente necessitam de um planejamento de conduta a ser tomada, que vão de conduta expectante, inseminação intra uterina com indução de ovulação e FIV. Indução de ovulação simples em mulheres com ciclos regulares não deve ser feito. Este protocolo da ESHRE não aborda o tipo de indução de ovulação para IUI, mas deixa claro que se gonadotrofinas forem usadas devem ser com monitorização. O protocolo da ASRM coloca como primeira opção o uso de indutores orais, destacando que a chance é maior com gonadotrofinas, mas custos e riscos de gestações múltiplas são também maiores. Todo o planejamento deve ser feito com limite de tentativas em cada abordagem, não excedendo mais de 3 a 6 ciclos de tentativas.

 

Referências bibliográficas:

The Unexplained Infertility guideline group, Romualdi D, Ata B, Bhattacharya S, Bosch E, Costello M, Gersak K, Homburg R, Le Clef N, Mincheva M et al. Evidence-based guideline: Unexplained Infertility. 2023. ESHRE, https://www.eshre.eu/guideline/UI.

WHO. WHO laboratory manual for the examination and processing of human semen, sixth edition. 2021. WHO, Geneva.

 

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