ONCOFERTILIDADE: PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE EM PACIENTES ONCOLÓGICOS E O PAPEL DA ENFERMAGEM
Autores: Grazielle Viola, Mariane Félix
Pontos-chaves
– O câncer é considerado o principal problema de saúde pública no mundo e uma das principais causas de mortes prematuras.
– O impacto do câncer a nível global se torna evidente em relatório do Global Cancer Observatory (Globocan) onde apontou que em 2020, 19.3 milhões de novos casos ocorreram no mundo, sendo estimado que 1 em cada 5 indivíduos terá câncer em alguma fase da vida.
– O tratamento do câncer é realizado através de abordagem cirúrgica e/ou quimio radioterapia. E, dentre tantos efeitos colaterais dos tratamentos disponíveis, o possível potencial gonadotóxico merece destaque e atenção.
– A fertilidade pode ser afetada de diferentes maneiras a depender do tipo e estadiamento do câncer diagnosticado, fase de vida, escolha terapêutica, dose e tempo de exposição ao agente gonadotóxico.
– Os guidelines, voltados para oncologia e fertilidade, recomendam atenção ao risco de infertilidade e trazem uma série de recomendações aos profissionais de saúde que atendem pacientes oncológicos.
– A enfermagem atuante nas diversas fases do tratamento: dentro do serviço de oncologia, no diagnóstico do câncer ou antes do início do tratamento oncológico, serviços de fertilidade, consulta de enfermagem (acolhimento) e no seguimento pós tratamento oncológico.
Recomendações do Guideline da American Society of Clinical Oncology (ASCO):
– População alvo: pacientes com câncer e risco de infertilidade devido ao tratamento oncológico
– Público alvo: enfermeiros, oncologistas, ginecologistas, urologistas, pediatras, hematologistas, cirurgiões, psicólogos, assistente social, entre outros.
– Homens adultos:
– criopreservação de semen.
– Mulheres adultas:
– criopreservação de embriões,
– criopreservação de óvulos,
– criopreservação de tecido ovariano.
– Protocolos de estimulação:
– Flexíveis – não depende do ciclo menstrual, dessa forma iniciados com menor atraso,
– Atenção especial com malignidades ginecológicas e mamárias sensíveis ao estrogênio – utilização de protocolos especiais sem aumento de risco de recorrência de câncer como resultado da estimulação ovariana
– Discussão da infertilidade como risco potencial da terapia oncológica, o mais rápido possível,
– Referenciar o paciente que demonstrar interesse ao especialista em Reprodução Humana.
Discussão
A incidência e mortalidade do câncer vêm aumentando devido ao crescimento e envelhecimento populacional aliados à evolução médica, o que permitiu maior precisão e precocidade diagnóstica.
Os estudos apontam que poucos pacientes recebem informações sobre o risco à fertilidade durante o tratamento oncológico e opções para preservá-la. A Sociedade Européia de Reprodução Humana (ESHRE) estima que apenas 10 a 45% dos pacientes oncológicos em idade fértil são referenciados aos serviços especializados de preservação da fertilidade.
Os números são alarmantes e os desdobramentos psicossociais também. A preocupação com o risco de infertilidade pós-tratamento oncológico faz com que o paciente tenha uma redução em seu bem-estar psicológico e na aceitação da doença. A qualidade de vida pós câncer também é impactada pois esses pacientes frequentemente vivenciam sentimento de perda e luto e experienciam conflitos conjugais.
Há diversas barreiras que impedem o acesso ao serviço especializado de preservação da fertilidade de forma efetiva (Figura 1), os pacientes encontram barreiras intrínsecas onde o foco e atenção são voltadas para o processo curativo do câncer o que pode impedir a projeção de uma vida pós-câncer, aspectos culturais e religiosos, financeiros e legais também podem ser apontados como limitantes; Aos profissionais oncológicos, as barreiras apontadas são falta de conhecimento do tema e baixo nível de conforto para uma abordagem de orientação e referência adequada dos pacientes aos serviços especializados em preservação da fertilidade; Quanto às instituições tem-se a falta de integração entre os serviços de oncologia e fertilidade com a ausência de uma sistema de referenciação com fluxos de atendimento estabelecidos para que o serviço ocorra de maneira efetiva e ágil.
Recomendações à equipe de Enfermagem para abordagem e atendimento às pacientes oncológicas
É preciso assumir uma visão biopsicossocioespiritual e apoio de uma equipe multidisciplinar seja nos cuidados clínicos ou programas educativos. O enfermeiro assume posição privilegiada na implementação dos cuidados e gestão dos efeitos relacionados ao tratamento oncológico.
- Serviços Oncológicos
– Elaborar e executar campanhas de conscientização ao paciente e profissionais acerca da temática;
– Atuar na educação continuada e treinamento da equipe;
– Estabelecer fluxos de atendimento;
– Estabelecer sistema referência e contrarreferência;
- Diagnóstico do câncer ou antes do início do tratamento oncológico
– Avaliar risco de comprometimento da fertilidade diante das alternativas terapêuticas do tratamento oncológico;
– Orientar paciente e/ou responsável sobre risco à fertilidade durante tratamento oncológico e consequente risco de infertilidade pós-tratamento;
– Orientar sobre possibilidade de preservação da fertilidade, alternativas, riscos e benefícios dos procedimentos;
– Oferecer suporte emocional e encaminhar para atendimento psicossocial especializado, caso necessário;
– Encaminhar para serviço especializado de fertilidade;
– Documentar todo o processo em prontuário;
- Serviços de fertilidade
– Conhecer o público a ser atendido;
– Estabelecer fluxo específico de atendimento à oncofertilidade;
– Estabelecer e gerenciar programas de preservação da fertilidade;
– Buscar alternativas para facilitação do acesso;
– Atuar na educação continuada e treinamento da equipe;
– Integrar a equipe multidisciplinar no atendimento e tratamento aos pacientes oncológicos;
- Consulta de enfermagem (acolhimento)
– Realizar anamnese;
– Oferecer suporte emocional e encaminhar para atendimento psicossocial especializado, caso necessário;
– Discutir e orientar opções de preservação da fertilidade, se aplicável;
– Discutir infertilidade e tratamentos para reprodução assistida, se aplicável;
– Discutir planejamento reprodutivo e opções para procriação/parentalidade incluindo doação de gametas, se aplicável;
– Discutir os aspectos necessários e esclarecer dúvidas acerca do tratamento médico prescrito:
- Status da técnica no Brasil: estabelecida versus experimental;
- Tempo necessário para realização e etapas do processo;
- Riscos e benefícios do tratamento;
– Identificar possíveis barreiras para acesso e/ou adesão ao tratamento prescrito; – Orientar preparo e realização de exames laboratoriais/imagem prescritos; – Orientar tratamento medicamentoso, se aplicável, como:
- Aquisição, transporte, manipulação, armazenamento e descarte do medicamento e insumos;
- Preparo e administração de injetáveis;
- Efeitos locais e sistêmicos;
- Notificação de eventos adversos;
– Orientar preparo para procedimento cirúrgico, se aplicável:
– Orientar e esclarecer aspectos legais em relação ao armazenamento e destinação de gametas e embriões em caso de morte ou incapacitação;
– Documentar todo o processo em prontuário;
- Seguimento pós tratamento oncológico
– Discutir e orientar opções para preservação tardia, se aplicável;
– Orientar riscos e benefícios da gestação após câncer e possíveis efeitos na prole; – Orientar riscos obstétricos
Referências
- Fertility preservation in patients undergoing gonadotoxic therapy or gonadectomy: a committee opinion. Fertility and Sterility 2019;112(6):1022–33.
- ESHRE Guideline Group on Female Fertility Preservation, Anderson RA, Amant F, et al. ESHRE guideline: female fertility preservation. Hum Reprod Open. 2020;2020(4):hoaa052. Published 2020 Nov 14. doi:10.1093/hropen/hoaa052
- Oktay K, Harvey BE, Partridge AH, Quinn GP, Reinecke J, Taylor SH, et al. Fertility Preservation in Patients With Cancer: ASCO Clinical Practice Guideline Update, 2018, Journal of clinical oncology : official journal of the American Society of Clinical Oncology 36(19), 1994-2001. doi:10.1200/JCO.2018.78.1914
- Brasil, Instituto Nacional de Câncer, Estimativa 2023: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2022
- Brannigan R, Fantus RJ, Halpern JA. Fertility preservation in men: a contemporary overview and a look toward emerging technologies, Fertility and sterility, 2021, 115(5), 1126- 1139. doi:10.1016/j.fertnstert.2021.03.026
- Rocha ARDP, Lee EY, Reis HMJD, De Domenico EBL, Matsubara MDGS. Análises das Demandas e Cenários de Apoio para Sobreviventes de Câncer: Revisão Integrativa. Revista Brasileira de Cancerologia. 2021;67(4)
- Neris RR, Nascimento LC. Childhood cancer survival: Emerging reflections on pediatric oncology nursing. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03761.