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Comitê: Enfermagem

Highlights Atualização Guideline ASCO – Preservação da fertilidade em pacientes oncológicos

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Highlights Atualização Guideline ASCO – Preservação da fertilidade em pacientes oncológicos

 

Autores: Grazielle Viola Arronqui e Mariane Cristina Carlucci Molina Félix

 

Este documento tem como objetivo destacar os principais pontos apresentados na atualização do Guideline da American Society of Clinical Oncology (ASCO)¹ publicado em março de 2025 sobre preservação da fertilidade em pessoas com câncer e os insights trazidos no artigo complementar, publicado em outubro de 2025, abordando as questões que os profissionais de saúde podem enfrentar ao implementar as recomendações do novo guideline na prática clínica². Este artigo atualiza e complementa os boletins elaborados por este comitê sobre Oncofertilidade, publicados em outubro e novembro de 20233,4

 

Descritores: Neoplasias; Preservação da fertilidade; Criopreservação; Técnicas de reprodução assistida

 

Introdução

A preservação da fertilidade é um componente essencial no cuidado de crianças e adultos em idade reprodutiva com câncer, especialmente diante dos avanços nos tratamentos oncológicos, que têm elevado significativamente as taxas de sobrevivência desses pacientes. Quimioterapia, radioterapia e procedimentos cirúrgicos podem impactar negativamente a saúde reprodutiva, tornando indispensável considerar esse tema ao realizar o planejamento do tratamento oncológico e durante todo o acompanhamento do paciente. Apesar de Sociedades e profissionais reconhecerem a relevância do tema, ainda existe escassez de diretrizes norteadoras atualizadas e sólidas. Frequentemente, os pacientes não recebem informações adequadas nem são encaminhados de forma oportuna a especialistas em fertilidade antes do início do tratamento oncológico. Essa lacuna evidencia a necessidade de recomendações clínicas abrangentes que apoiem os profissionais de saúde na discussão dos riscos e das opções de preservação da fertilidade com pacientes oncológicos1,2.

 

Atualização do guideline¹

Uma revisão sistemática foi conduzida por um painel multidisciplinar de especialistas para atualização das recomendações anteriormente publicadas5,6. Considerando 166 estudos, este guideline tece recomendações, em relação aos pacientes com câncer que tem risco de infertilidade devido ao tratamento oncológico, para os profissionais que podem abordar esse tema: oncologistas, ginecologistas, urologistas, hematologistas, oncopediatras, cirurgiões, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e outros membros da equipe multidisciplinar.

 

Síntese das recomendações¹

Durante o diagnóstico e acompanhamento, os profissionais de saúde devem discutir com os pacientes oncológicos: Antes do tratamento oncológico:
Risco de infertilidade e opções de preservação da fertilidade. Encaminhar todos os pacientes interessados ou com dúvidas para um especialista em reprodução.

Durante e após o tratamento:
Retomar a discussão em caso de mudanças no tratamento, conclusão da terapia ou quando houver intenção de gravidez.

Princípios fundamentais:
Conversar sobre preservação da fertilidade com todos os pacientes, independentemente de fatores como risco reprodutivo, tamanho da família, prognóstico, orientação sexual, identidade de gênero, crenças, recursos financeiros, seguro, acesso ao cuidado ou outras disparidades. O efeito da idade cronológica também deve ser levado em conta para as mulheres. Documentar todas as discussões no prontuário médico.

Preservação da fertilidade em homens: 

Oferecer antes de iniciar o tratamento oncológico

Criopreservação de sêmen:
Na coleta de ejaculado são necessárias repetidas visitas para coleta de várias amostras. Trata-se de um método seguro e não invasivo, com bons resultados em termos de gestação e nascimento. A utilização dependerá da qualidade do material coletado.

A extração testicular de espermatozoides é indicada quando não é possível obter amostras seminais. Trata-se de um procedimento cirúrgico que, quando realizado após terapia oncológica, deve ocorrer entre 6 e 12 meses após o término do tratamento, em casos de azoospermia. Apresenta bons resultados em gestações por fertilização in vitro. É considerada uma técnica segura, embora envolva riscos inerentes ao ato cirúrgico

Gonado-proteção hormonal:
Considerada não eficaz para preservar a fertilidade.
Outros métodos experimentais:
Criopreservação de tecido testicular em pré-púberes só deve ser realizada em protocolos clínicos aprovados. É um procedimento seguro porém o risco de recidiva é desconhecido, bem como seu potencial reprodutivo.

Contexto pós-tratamento:
Informar pacientes sobre risco de danos genéticos em amostras coletadas após terapia.

Preservação da fertilidade em mulheres: Oferecer antes de iniciar o tratamento oncológico Criopreservação de embriões, óvulos e tecido ovariano:

Para embriões e óvulos, o processo exige de 2 a 3 semanas desde o início da estimulação até a coleta dos óvulos. Em caso de câncer hormônio-sensível, recomenda-se protocolo com adição de letrozol.

Na criopreservação de embriões, é necessário considerar aspectos éticos e legais relacionados ao uso de sêmen do parceiro ou doador.

Para tecido ovariano, a coleta é realizada via laparoscopia com posterior transplante do tecido, com vantagem de não atrasar o tratamento oncológico.

Maturação in vitro de óvulos: 

Método emergente com menor efetividade quando comparada a coleta de óvulos maduros, poucos laboratórios possuem expertise na técnica.

Transposição ovariana e uterina:

É um procedimento cirúrgico que não provoca atraso no tratamento oncológico e apresenta casos de sucesso em gestações reportadas. Para transposição ovariana, as complicações são raras; Na uterina, a ocorrência mais comum é a isquemia cervical.

Cirurgia ginecológica conservadora:

O tempo necessário para início e término desse tratamento é variável, apresentando baixa taxa de gestação. É considerado seguro à depender do tipo e estadiamento do câncer.

Abordagem pós tratamento oncológico: 

Oferecer quando a paciente não foi orientada antes do início do tratamento oncológico ou para ampliar as chances reprodutivas. Necessária avaliação de AMH e contagem de folículos antrais.

Gonado-proteção hormonal: uso de GnRHa

Embora não estabelecido como método de preservação da fertilidade, pode ser oferecido como tratamento adjuvante em situações específicas, como diagnóstico de câncer de mama ou início imediato no tratamento oncológico, visando à supressão menstrual.

Preservação da fertilidade em crianças e prépuberes O tratamento deve ser ofertado sob consentimento dos pais e responsáveis.

Para meninas, a criopreservação de tecido ovariano é a única opção, mas atentar para o risco de reintrodução da malignidade.

Papel dos profissionais de saúde frente a oncofertilidade Discutir precocemente o risco de infertilidade, o mais breve possível após diagnóstico, junto ao planejamento do tratamento e oferecer informações contínuas durante toda a jornada do paciente;

Incentivar a participação em estudos clínicos para melhor definir riscos gonadotóxicos e eficácia das estratégias de preservação;

Encaminhamento precoce para especialista em fertilidade para pacientes interessados ou com dúvidas sobre o procedimento;

Garantir acesso a equipe multidisciplinar com comunicação efetiva e constante;

Defender acesso prioritário e cobertura dos seguros de saúde.

 

O time oncológico deve oferecer prontamente o acesso ao time multidisciplinar de preservação da fertilidade, bem como deve defender a cobertura abrangente dos serviços de preservação da fertilidade ajudando com acesso e obtenção desse benefício. Dessa forma, torna-se relevante a construção de um modelo de referência entre o serviço oncológico e o serviço de fertilidade1,2,7.

 

Aplicando o Guideline na prática

 

Loren et al² elencou algumas perguntas norteadoras de forma a facilitar o acesso à informação pela equipe clínica que realizará a primeira abordagem com o paciente.

 

Por que é importante classificar o risco reprodutivo dos pacientes oncológicos? Os riscos variam de acordo com:

  1. Tipo de câncer;
  2. Tratamento proposto;
  3. Fatores relacionados ao paciente: idade, reserva ovariana ou produção espermática e;
  4. Comorbidades. 

Vale também considerar:

  • Crenças e preferências dos pacientes; 
  • Acesso ao serviço de fertilidade;
  • Situação financeira e geográfica.

Sobreviventes de câncer frequentemente têm pouca informação sobre seu risco de infertilidade após a terapia oncológica e podem superestimá-lo ou subestimá-lo. O aconselhamento desses pacientes é fundamental para:

  • Decisão consciente sobre a saúde reprodutiva;
  • Ponderar risco-benefício do adiamento do início de tratamento oncológico bem como da realização da preservação da fertilidade. 

Muitos tratamentos oncológicos têm perfis de risco reprodutivo indefinidos, reforçando a necessidade de mais pesquisas nessa área.

Como envolver a preservação da fertilidade nos pacientes com câncer? Antes do tratamento: Todos os pacientes devem se beneficiar com a discussão sobre a preservação, mesmo que a opção seja não preservar por escolha própria ou urgência para o tratamento oncológico;

Com a correta orientação, haverá a redução do arrependimento, incertezas ou sofrimento relacionados à incerteza e falta de informação;

Pós tratamento: As discussões sobre o tema podem trazer benefícios, principalmente para sobreviventes que não receberam orientação adequada sobre preservação ao diagnóstico ou que mudaram suas necessidades e preferências de planejamento familiar. O encaminhamento para especialista permite: avaliação da reserva ovariana, entendimento sobre possível redução na janela fértil ou menopausa precoce, conhecimento das opções, avaliação de risco e necessidade de preservação imediata pós tratamento.

Quais as considerações adicionais para os métodos de preservação já estabelecidos? Para mulheres com câncer que necessitam iniciar tratamento, pode-se considerar:

  • Uso de agonistas hormonais para suprimir o ciclo menstrual durante a terapia;
  • Congelamento de embriões, embora essa opção possa envolver questões religiosas, éticas, políticas ou legais;
  • Congelamento de óvulos, que geralmente é a alternativa preferencial por reduzir essas implicações.

Para mulheres sem parceiro ou sem doador de sêmen:

  • Congelamento de óvulos é uma boa opção. 

Para pacientes portadoras do gene BRCA 1 e 2:

  • Testes genéticos pré implantacionais são opções para seleção de embriões não portadores da alteração.

Criopreservação de tecido ovariano:

  • Permite a preservação dos gametas e oferece a possibilidade de restaurar a função ovariana, o que pode contribuir para a redução dos sintomas da menopausa, melhora da saúde óssea e cardiovascular, além de favorecer a qualidade de vida.
  • Essa abordagem não é indicada para pacientes com câncer hematológico devido ao risco de contaminação do tecido pelo tumor.

Criopreservação de óvulos e espermatozóides:

  • Ainda existe incerteza sobre o impacto da quimioterapia e da radioterapia na saúde dos gametas;
  • No caso dos óvulos, não há evidências registradas de alterações genéticas após a exposição à quimioterapia;
  • Para os espermatozóides, há contraindicação para coleta imediatamente após a exposição a quimioterápicos ou radiação, devido ao elevado risco de alterações genéticas.

O destino do material reprodutivo pós mortem é considerado um tema difícil de abordar com o paciente e a família.

Qual a proteção legal e cobertura para os pacientes com câncer na preservação da fertilidade? A equipe oncológica deve garantir que pacientes selecionem o melhor tratamento oncológico, com a tranquilidade de saber que a saúde reprodutiva está sendo considerada no plano de cuidados;

A acessibilidade financeira deve ser uma preocupação central para serviços de fertilidade;

A infertilidade induzida é um efeito colateral do tratamento oncológico e deve ser vista sob essa perspectiva, sendo que  a assistência deveria ser coberta pelos convênios e demais fontes financiadoras;

Falta de cobertura, co-participações e falta de acesso geográfico a centros especializados ainda criam barreiras para acesso universal; 

Atenção imediata e navegação facilitada podem aumentar o engajamento do paciente com a preservação da fertilidade.

Como a equipe clínica ou pesquisadores podem impulsionar a temática? Ações necessárias: 

  • Cuidado iniciado na triagem dos pacientes com risco de infertilidade, definição de objetivos reprodutivos ao longo de todo o tratamento oncológico e encaminhamento para especialistas quando indicado;
  • Ampliar e integrar as especialidades da oncologia e reprodução;
  • Treinamento de equipes relacionada à infertilidade de forma multidisciplinar;
  • Uso de materiais educativos para pacientes e ferramentas eletrônicas;
  • Aconselhamento sobre os riscos de infertilidade para tomada de decisão;

Desafios que necessitam atenção:

  • Existe uma lacuna de conhecimento na medição da gonadotoxicidade de muitas terapias existentes e de novas;
  • As incertezas reduzem o conforto dos oncologistas na abordagem do assunto o que dificulta o aconselhamento adicional e reduz a probabilidade de encaminhamento para a reprodução humana.

 

Esta publicação traz ainda a proposta de um algoritmo de avaliação e discussão de preservação da fertilidade para pessoas com câncer, resumindo as recomendações do guideline ASCO atualizado¹. Tal qual este comitê fez em 2023, propondo um fluxograma de referência-contra-referência do paciente de oncofertilidade4, este algoritmo tem como objetivo facilitar a integração entre especialidades e promover abordagem precoce e um mais rápido e efetivo encaminhamento do paciente oncológico entre serviços.

 

Conclusão

A preservação da fertilidade deve ser considerada parte integrante do cuidado oncológico, iniciando desde a triagem e se estendendo por todo o tratamento. As recomendações do guideline ASCO reforçam a necessidade de discussões precoces, encaminhamento oportuno para especialistas e registro adequado das decisões no prontuário. A abordagem deve ser universal, contemplando todos os pacientes, independentemente de fatores clínicos ou sociais. O sucesso dessas estratégias depende da atuação coordenada da equipe multidisciplinar, que inclui oncologistas, especialistas em reprodução, psicólogos, assistentes sociais e, principalmente, profissionais de enfermagem. A enfermagem desempenha papel essencial na educação do paciente, na comunicação contínua e na navegação entre os diferentes serviços, garantindo que as informações sejam claras e que as decisões sejam tomadas de forma consciente. Investir em treinamento, protocolos e fluxos bem definidos é fundamental para reduzir barreiras, ampliar o acesso e melhorar a qualidade de vida dos pacientes oncológicos.

 

Referências

  1. SU, H. I.; LACCHETTI, C.; LETOURNEAU, J. et al. Fertility Preservation in People With Cancer: ASCO Guideline Update. Journal of Clinical Oncology, v. 43, n. 12, p. 1488-1515, 2025. DOI: 10.1200/JCO-24-02782. Acesso em: 23 nov. de 2025.
  2. LOREN, A. W.; LACCHETTI, C.; SU, H. I. Fertility Preservation in People With Cancer: ASCO Guideline Clinical Insights. JCO Oncology Practice, [S.l.], 2025. DOI: 10.1200/OP-25-00223. Acesso em: 23 nov. de 2025.
  3. ARRONQUI, G. V.; FÉLIX, M. C. C. M. Oncofertilidade: preservação da fertilidade em pacientes oncológicos e o papel da enfermagem. Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, São Paulo, 26 out. 2023. Disponível em: <https://sbrh.org.br/comite/enfermagem/oncofertilidade-preservacao-da-fertilidade-em-pacientes-oncologicos-e-o-papel-da-enfermagem/>. Acesso em: 23 nov. de 2025.
  4. ARRONQUI, G. V.; FÉLIX, M. C. C. M. Fluxograma de atendimento e encaminhamento do paciente oncológico. Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, São Paulo, 24 nov. 2023. Disponível em: <https://sbrh.org.br/comite/enfermagem/fluxograma-de-atendimento-e-encaminhamento-do-paciente-oncologico/>. Acesso em: 23 nov. 2025.
  5. LOREN, A. W.; MANGU, P. B.; BECK, L. N. et al. Fertility preservation for patients with cancer: American Society of Clinical Oncology clinical practice guideline update. Journal of Clinical Oncology, v. 31, p. 2500-2510, 2013. DOI: 10.1200/JCO.2013.49.2678. Acesso em: 23 nov. 2025.
  6. OKTAY, K.; HARVEY, B. E.; PARTRIDGE, A. H. et al. Fertility preservation in patients with cancer: ASCO clinical practice guideline update. Journal of Clinical Oncology, v. 36, p. 1994-2001, 2018. DOI: 10.1200/JCO.2018.78.1914. Acesso em: 23 nov. 2025.
  7. ESHRE GUIDELINE GROUP ON FEMALE FERTILITY PRESERVATION; ANDERSON, R. A.; AMANT, F.; BRAAT, D.; et al. ESHRE guideline: female fertility preservation. Human Reproduction Open, v. 2020, n. 4, p. hoaa052, 14 nov. 2020. DOI: 10.1093/hropen/hoaa052. Acesso em: 23 nov. 2025.

 

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