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Comitê: Enfermagem

Avanços na humanização e atendimento à perda gestacional

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Sociedade Brasileira de Reprodução Humana

Comitê de Enfermagem

 

Grazielle Viola Arronqui

 Jaqueline Sousa Leite2

 

Avanços na humanização e atendimento à perda gestacional

A perda gestacional, o óbito fetal e o óbito neonatal são eventos profundamente traumáticos que impactam não apenas quem gesta, mas toda a família e rede de apoio. Apesar de serem experiências frequentemente esperadas na trajetória reprodutiva de muitas mulheres, embora marcada por dor e sofrimento único, este sentimento é comumente negligenciado pelos profissionais de saúde, família e sociedade no âmbito dos serviços de saúde. A humanização do atendimento nesses momentos é essencial para garantir que as famílias sejam acolhidas com empatia, respeito e suporte emocional, para que haja o processo de luto saudável.

Mundialmente, cerca de 23 milhões de gestações terminam em abortamento, isto representa 15,3% (IC 95%: 12,5–18,7 %) (Quenby et al.; 2021). No Brasil, não há dados específicos sobre a taxa de abortos, desta forma muitas perdas permanecem invisíveis nas estatísticas de saúde e nos sistemas de atenção.

Segundo o DataSUS, a taxa de mortalidade fetal (natimorto) é de 10,7 por mil nascimentos. Segundo Rocha et al (2025) entre 1996 e 2021, as mortes fetais com idade gestacional ≥ 20 semanas representaram 1,14% de todos os nascimentos e corresponderam a 58% das mortes perinatais no país. Estima-se que 93% dessas mortes ocorreram antes do início do trabalho de parto, 6% durante o parto e apenas 1% foram registradas como pós-parto. No período analisado, a taxa de mortalidade fetal (TMF) foi de 11,4, 10,7 e 8,6 por mil nascimentos, considerando os cortes de idade gestacional de ≥ 20, ≥ 22 e ≥ 28 semanas, respectivamente. Embora tenha havido aumento da proporção de natimortos em relação ao total de mortes perinatais, observou-se uma tendência de redução progressiva da TMF ao longo dos anos, com quedas acumuladas de 20%, 25% e 41%, respectivamente, e variações percentuais médias anuais (VPMA) de −1,00, −1,13 e −1,89 (Rocha et al., 2025).

A perda gestacional está intrinsecamente conectada a um luto singular. Para Mullan e Horton, (2011) é diferente de qualquer outra forma de luto: os meses de excitação, expectativa, planejamento, perguntas ansiosas e o drama do trabalho de parto, contribuem para ampliar a incompreensão devastadora de dar à luz um bebê sem sinais de vida. Estudos apontam que a ausência de acolhimento adequado pode agravar quadros de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático (Heazell et al., 2016).

A comunicação assertiva, acompanhada de uma ambiência adequada no contexto do óbito fetal, é imprescindível para minimizar as complicações do luto enfrentadas pelos pais na aceitação da perda. Contudo, observa-se que muitas equipes de saúde não estão preparadas para comunicar notícias a essas famílias que vivenciam a perda de um filho, pois a responsabilidade não se encerra com a comunicação do óbito. É necessário oferecer à mãe, ao pai e à família a possibilidade de retornar ao hospital para conversar sobre a perda e esclarecer dúvidas sobre os fatos. Além disso, a comunicação com a equipe que assistiu o pré-natal é fundamental para garantir a continuidade do cuidado e o suporte necessário para o luto no período puerperal (Pereira et al., 2018).

Novas propostas estão sendo desenvolvidas por pesquisadores, como o estudo em andamento em Ribeirão Preto, que visa adaptar as diretrizes internacionais à realidade brasileira. Este estudo em questão destaca a importância de oferecer cuidado adequado às famílias desde a descoberta da perda gestacional até o planejamento de uma futura gestação. O diferencial dessa pesquisa acima é que, além de focar no suporte à família, também adota uma abordagem peculiar em relação à equipe responsável pela assistência, com o objetivo de promover um luto saudável (Salgado et al., 2021). 

Esse cuidado torna-se ainda mais sensível às famílias no cenário da reprodução assistida, onde há um enorme investimento emocional, físico e financeiro, e que, diante da perda, frequentemente vivenciam o luto de forma silenciosa e invisibilizada perante a sociedade.

O Brasil avança neste contexto, foi sancionada em 23 de maio de 2025 a Lei 15.139/2025 que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, com o objetivo central de garantir atendimento humanizado às mulheres e familiares que enfrentam perdas gestacionais, fetais ou neonatais (Brasil, 2025). Visando, também assegurar acolhimento digno e humanizado no momento do luto, reduzir riscos e vulnerabilidades emocionais e sociais, e promover o acompanhamento psicológico após a alta hospitalar, preferencialmente em domicílio ou em unidade de saúde próxima.

Para assegurar a implementação desta lei federal, as diretrizes que são necessárias englobam a integralidade e equidade no acesso à saúde e políticas públicas; a descentralização dos serviços e ações; a capacitação da força de trabalho em saúde e assistência social; promoção de campanhas de conscientização e educação sobre o luto perinatal e inclusão de conteúdos sobre luto nos currículos de formação em saúde. Embora estudos apontem para a importância de abordar a questão das perdas gestacionais, esse tema ainda é visto como desafiador e causa muito sofrimento aos profissionais de saúde (Brigagão; Gonçalves; Silva, 2021). Portanto, comunidades internacionais recomendam a necessidade de abordar esse tema de forma abrangente e efetiva (Frøen et al., 2011).

Outros pontos considerados marcos para esta temática são: a instituição do mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil e a alteração na Lei dos Registros Públicos para permitir o registro de crianças nascidas mortas, garantindo o direito simbólico à existência e à memória.

O papel da enfermagem na atenção ao luto perinatal

Nesse contexto, a equipe de enfermagem desempenha um papel central, pois está na linha de frente do cuidado, sendo responsável por oferecer escuta ativa, orientação e apoio contínuo. As equipes de enfermagem são também fundamentais na criação de um ambiente humanizado, seguro e respeitoso, que reconheça a dor da perda e valide o sofrimento das famílias.

Ações centrais:

  • Orientação sobre o processo de luto e os direitos da família.
  • Acolhimento emocional e escuta ativa
  • Promoção de rituais simbólicos, como o contato com o bebê, quando desejado.
  • Encaminhamento para suporte psicológico e acompanhamento pós-alta.
  • Promoção e educação em saúde para familiares e rede de apoio.

Além disso, a formação continuada da equipe de enfermagem é essencial para garantir que os profissionais estejam preparados para lidar com a complexidade emocional e ética envolvida nesse tipo de cuidado; porém é essencial fornecer o suporte emocional e psicológico para as equipes assistenciais, considerando o impacto que a experiência da assistência a um caso de perda fetal pode ocasionar.

Considerações finais

A Lei 15.139/2025 representa um marco na consolidação de uma política pública sensível às necessidades emocionais das famílias enlutadas. Ao reconhecer o luto perinatal como uma experiência legítima e digna de cuidado, o Estado brasileiro avança na construção de um sistema de saúde mais humano, empático e integral.

A atuação da equipe de enfermagem, aliada à implementação das diretrizes da nova política, será determinante para transformar o atendimento às famílias. Com isso, promove-se não apenas o cuidado físico, mas também o acolhimento emocional e psicológico, pilares fundamentais da atenção integral à saúde.

Referências Bibliográficas 

BRASIL. Lei nº 15.139, de 23 de maio de 2025. Institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 maio 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 maio 2025.

Brigagão JIM, Gonçalves R, Silva BMC da. A perspectiva de profissionais de saúde sobre os partos de natimortos. Psicologia & Sociedade [Internet]. 2021;33. Available from: https://www.scielo.br/j/psoc/a/dvFVRbGhnzxMsMzdKsGjqbz/?format=pdf&lang=pt

Frøen JF, Cacciatore J, McClure EM, Kuti O, Jokhio AH, Islam M, et al. Stillbirths: why they matter. The Lancet [Internet]. 2011 Apr 16;377(9774):1353–66. Available from: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(10)62232-5.pdf

Heazell AEP, Siassakos D, Blencowe H, Burden C, Bhutta ZA, Cacciatore J, et al. Stillbirths: economic and psychosocial consequences. The Lancet [Internet]. 2016 Feb;387(10018):604–16. Available from: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(15)00836-3.pdf

Mullan Z, Horton R. Bringing stillbirths out of the shadows. The Lancet. 2011;377(9774):1291-2. doi: 10.1016/S0140-6736(11)60098-6.

Pereira, A. G., Costa, S. M., & Almeida, M. S. A. O suporte emocional à mulher no luto por perda gestacional tardia. Revista de Enfermagem UFPE on line. 2018;12(4):1104-1111. doi: 10.1590/1984-0462/;2018;36;4;00013

Quenby et al. (2021). Miscarriage matters: the epidemiological, physical, psychological, and economic costs of early pregnancy loss. The Lancet, 397(10285), pp. 1658‑1667.

Rocha, J. B. F., Bezerra, I. M. P., Oliveira, E. K. S., Sena, A. B. E., Leitão, F. N. C., & Abreu, L. C. (2025). Tendência espaço-temporal da mortalidade fetal no Brasil, 1996–2021. Revista de Saúde Pública, 59, e23. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2024059001591

Salgado HO, Andreucci CB, Gomes ACR, et al. O projeto de luto perinatal: desenvolvimento e avaliação de diretrizes de apoio para famílias que experimentam natimorto e morte neonatal no sudeste do Brasil—um estudo quase experimental antes e depois. Reprod Health. 2021;18(5). doi: 10.1186/s12978-020-01040-4.

 

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