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Comitê: Famílias Plurais

Desenvolvimento do adolescente e a relação pais-adolescente nas diversas formas familiares criadas pela reprodução assistida

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Autora: Mary Elly Alves Negrão

 

“Nenhuma teoria do desenvolvimento humano é universalmente aceita, e nenhuma sozinha explica todas as facetas do desenvolvimento humano” (PAPALIA& OLDS, 2000 apud SILVA E JUNQUEIRA, 2004), por isso, para compreensão do desenvolvimento infantil e do adolescente é importante se basear em mais de um referencial teórico.

Refletindo sobre as características do desenvolvimento do adolescente, em como promover a ele um desenvolvimento adequado desde a infância, pode-se pensá-lo como um processo que se inicia bem antes da própria formação do feto. Muito das condições para um bom desenvolvimento está associado às condições anteriores à própria fecundação. Alguns desses fatores que podem interferir no processo de desenvolvimento da criança são:

– O desejo desses pais de ter ou não um filho;

– As condições de saúde desses pais, entendendo aqui saúde como o definido pela Organização Mundial da Saúde, sendo um estado dinâmico, de completo bem estar, que abarca condições físicas, psicológicas, espirituais e sociais, não apenas a ausência de doença (WHO, 1946);

– As condições socioeconômicas desses pais, como condições financeiras e de trabalho, situação conjugal, condições de moradia e de transporte, acesso a serviços de saúde e nível de escolaridade;

– Hábitos de vida desses pais (como o consumo de álcool, tabaco, drogas ilícitas, ansiolíticos, a prática de esporte, a participação na comunidade, envolvimentos em atividades ilegais, entre outros);

A Psicologia do desenvolvimento trata do estudo da cognição (ex.:linguagem), dos aspectos físicos (ex.: puberdade), sociais (ex.: jogos e brincadeiras), dos traços e fenótipos comportamentais (por exemplo, exploração de objetos) e dos mecanismos que influenciam as mudanças nesses fenótipos ao longo do curso de vida. Esses mecanismos envolvem relações recíprocas entre a expressão genética e os ambientes interno e externo do indivíduo (GEARY, 2006).

Para Keller (2020) o desenvolvimento sofre influência mútua entre a herança biológica e aspectos culturais específicos, descartando o determinismo biológico. Portanto, considera-se bidirecional a relação indivíduo-ambiente, ou seja, o indivíduo modifica o ambiente e ao mesmo tempo é modificado por este (BJORKLUND & PELLEGRINI, 2000). Essa observação ao encontro da definição de Skinner (1957/1978), de que os homens agem sobre o mundo, modificam-no, e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação. Skinner parte da comprovação de que existe ordem e regularidade no comportamento, sendo que os indivíduos estão o tempo todo analisando circunstâncias e predizendo o que os outros farão nessas circunstâncias, se comportam conforme essas previsões. (SKINNER, 1953, 1967). Assim, as variáveis externas, das quais o comportamento é função, possibilitam a análise causal. Tenta-se prever e controlar o comportamento de um organismo. As relações entre variável dependente (o efeito para o qual se busca a causa) e as variáveis independentes (as causas do comportamento, das quais este é função) são as leis de uma ciência (SKINNER, 1953/1967).

Além da visão de Skinner, na Psicologia do Desenvolvimento há outras referências teóricas para compreensão do desenvolvimento, como o modelo construcionista e sócio-interacionista. Piaget, teórico construcionista, compreende o desenvolvimento como um processo de construção por meio da interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. É considerado maturacionista por prezar o desenvolvimento das funções biológicas como base para os avanços na aprendizagem (RABELLO e PASSOS, 2016). Já Vygotsky, teórico sócio-interacionista, compreende que o desenvolvimento humano é interativo, ocorrendo a partir de relações intra e interpessoais, e de troca com o meio do qual faz parte, por meio do processo denominado mediação, enfatizando o processo histórico-social e o papel da linguagem (VYGOTSKY, 1996). As características do indivíduo e seu comportamento estão impregnadas de trocas com o coletivo, não sendo suficiente ter todo aparato biológico se este indivíduo não participa de ambientes e práticas sociais que propiciem esta aprendizagem (VYGOTSKY, 1988). Ou seja, não adianta esperar que uma criança irá se desenvolver com o tempo, pois sozinha ela não terá condições para se desenvolver, por seu desenvolvimento depender das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta. Para Vygotsky, a relação entre pensamento e linguagem é estreita. A linguagem (verbal, gestual e escrita) é o instrumento de relação do sujeito com os outros, sendo por meio dela que o sujeito aprende a pensar (RIBEIRO, 2005). O desenvolvimento motor também está relacionado às áreas cognitiva e afetiva do comportamento humano, sendo influenciado por fatores tais como os aspectos ambientais, biológicos e familiares. (GALLAHUE E OZMUN, 2005). Quando se pensa no desenvolvimento motor de uma criança, por exemplo, os jogos, a vivência com outras crianças e o espaço físico natural são importantes para o desenvolvimento dela. Nota-se, nos últimos anos, que mudanças sociais alteraram a estrutura de vida familiar, modificando os hábitos cotidianos, diminuindo a autonomia das crianças e afetando seu desenvolvimento motor (QUEIROZ & PINTO, 2010).

Ou seja, existem contingências (SKINNER, 1953, 1969; TODOROV, 1985) operando na formação e desenvolvimento futuro da criança que está por vir. Por contingência, podemos entender qualquer relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos ambientais e comportamentais (SkINNER, 1953, 1969; TODOROV, 1985). Ao se propor uma análise investigativa do comportamento da criança, para identificar possíveis prejuízos, é relevante levar em conta o conceito de análise funcional da psicoterapia analítica comportamental (SKINNER, 1953, 1969), no qual se busca identificar relações funcionais entre determinado comportamento (pensar, andar, comer, chorar, dormir, evacuar, brincar… etc.) e o contexto em que ele ocorre (levando-se em consideração todos os fatores mencionados acima em relação aos pais e mais os fatores do ambiente em que a criança está inserida no momento atual). Assim, ter-se-á mais clareza de quais fatores protetores estão agindo sobre o desenvolvimento da criança, podendo ser orientado aos pais a importância destes; para aqueles fatores que predispõem a desenvolvimento não tão satisfatório, sinaliza que é possível iniciar algumas intervenções para minimizar possíveis problemas futuros. A partir do momento que esta criança está sendo gerada, já se pode pensar que ali está sendo configurada uma nova família. Atualmente, existem diversas configurações de família, mas para facilitar a compreensão, aqui será considerada família como uma pessoa ou grupo de pessoas que tem o intuito de cuidar de uma criança, que é responsável em prover reforçadores a esta criança, como amor, atenção e alimentação. Em resumo, é esperado que a família possibilite vida digna a esta criança, cuidando para que ela tenha todos os direitos que lhes são garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A tarefa da família não é fácil, mas é dela que surgem não só os fatores que interferem no desenvolvimento infantil, mas também grande parte das soluções para um bom desenvolvimento da criança. É por meio dela que, tanto os profissionais (pediatras, dentistas, educadores, terapeutas, etc.) quanto a própria criança, encontrarão meios de desempenhar o melhor de si. Além da família, há outro importante contexto que influencia no desenvolvimento da criança e do adolescente, a creche e escola. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho há algumas décadas, muito das funções desempenhadas no âmbito familiar passaram a ser delegadas aos educadores. Atualmente, pais se veem na necessidade de antecipar o ingresso de seus filhos em creches cada vez mais frequentemente, sendo por vezes a justificativa relacionada com a impossibilidade de a mãe estar disponível no lar. Portanto, existem outros fatores interferindo no desenvolvimento que se deve levar em consideração: como a família encara a entrada da criança na creche, como são os recursos físicos (local, bairro, mobília…), materiais (livros, brinquedos, recursos de mídia…) e humanos (condição psicológica e formação dos educadores…) dessa creche e número de crianças atendidas por educador. O quadro abaixo, elaborado e modificado a partir Macana & Comim (2015), exemplifica como a família pode atuar como sendo protetora do desenvolvimento saudável ou não.

 

Quadro 1: Fatores de proteção e de risco associados ao desenvolvimento da prole (Macana & Comim, 2015)

 

Fatores

Determinantes

Fatores de Proteção Fatores de Risco
Fatores Internos – Sensibilidade materna e paterna.

– Boa comunicação.

– Disciplina consistente.

– Estilos parentais participativos.

– Conexões de apoio com a família

estendida.

– Investimentos em termos de tempo e em

recursos produtivos, como materiais de

aprendizagem.

– Negligência parental.

– Mau trato físico e psicológico.

– Disciplina inconsistente ou

coercitiva.

– Comunicação negativa,

baseada em ameaças, gritos,

insultos, excesso de críticas.

– Monitoria negativa.

– Estresse e depressão

materna.

– Ausência de apoio da família

estendida.

Fatores Externos – Estrutura familiar que permita estabilidade

nas funções de cuidado e afeto.

– Políticas de apoio à família.

– Políticas de apoio à primeira infância.

– Adequado acesso a serviços públicos.

– Suporte social por outros microssistemas

como a creche e pré-escola.

– Maior grau de escolaridade dos pais.

– Vantagens econômicas.

Padrões demográficos,

socioeconômicos e de saúde,

como:

– Mães adolescentes.

– Mães solteiras.

– Ausência do pai.

– Separações e divórcios.

– Pobreza.

– Desigualdade.

– Acesso restrito a políticas

públicas, saúde, educação.

– Baixo nível de escolaridade

materna.

-Hábitos de vida inadequados e

doenças maternas.

– Violência.

 

Os indivíduos solteiros e casais impossibilitados de conceber espontaneamente precisam recorrer às técnicas reprodutivas. Nesse cenário, um número crescente de indivíduos solteiros e casais de diversos gêneros, identidades de gênero e orientações sexuais estão tendo filhos através de técnicas reprodutivas. Segundo os autores, estima-se que, em todo o mundo, mais de 9 milhões de crianças nasceram como resultado de procedimentos das técnicas reprodutivas desde 1978.

Enquanto muitos avanços foram alcançados na área da medicina reprodutiva nas últimas décadas ao redor do mundo, incluindo no Brasil, ainda há uma escassez de pesquisas na área da psicologia reprodutiva no que diz respeito ao desenvolvimento neuropsicomotor da prole concebida através das técnicas reprodutivas e possíveis repercussões psicossociais aos indivíduos e familiares que participam do tratamento, principalmente nos casos em que faz necessário um útero de substituição temporária ou doação de gametas, sejam para aqueles (as) pessoas que optam pelo sigilo ou não, como ocorre nos casos de doadores intrafamiliar.

Com tantos avanços nesta área, segundo os autores, muitas preocupações foram levantadas sobre certas características dos pais pretendidos (por exemplo, idade avançada, não parceiro, orientação não heterossexual) e as consequências destas técnicas, tais como:

  • Turismo reprodutivo
  • Pais que podem ter a intenção de não divulgar ou adiar a divulgação da concepção assistida aos seus filhos.
  • Algumas perspectivas que alertam que a falta de uma relação genética de uma criança com a mãe (no caso de doação de óvulos), com o pai (no caso de doação de sêmen) ou com ambos os pais (no caso de doação de embriões) pode ser problemática.

De uma perspectiva psicológica, permanece que, independentemente das características do(s) pai(s) pretendido(s), o aspecto mais saliente do uso destas técnicas é que muitas vezes exige que os pais enfrentem decisões e experiências emocionalmente difíceis, que podem mais tarde refletir na adaptação do seu filho. A este respeito, a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) recomendou que se o médico não tiver certeza sobre a avaliação de qualquer aspecto médico ou não médico (psicológico, relacionamento ou social) da situação do paciente, a decisão deverá ser tomada após consulta com especialistas de outras disciplinas relevantes, como psicologia, psiquiatria, aconselhamento genético e pediatria. Isso se deve a vários fatores que podem ter implicações para o bem-estar da criança:

  1. Condições médicas dos futuros pais, que incluem distúrbios transmissíveis, genéticos e infecciosos (HIV, Hepatite B e C), bem como condições médicas dos futuros pais que podem trazer riscos à saúde da criança, como deficiência física grave que impede o funcionamento e/ou reduz a esperança de vida e o abuso de substâncias.
  2. Fatores psicossociais: abuso infantil, violência familiar, dependência, retardo mental, transtornos psiquiátricos, pobreza, mulheres solteiras e viuvez, …

No geral, os poucos estudos que foram feitos, estão voltados para  primeira infância e infância, demonstrando que as famílias formadas através de técnicas reprodutivas mostram um bom funcionamento familiar quando as crianças estão na primeira infância, com pais bem ajustados e competentes, e crianças saudáveis.

De acordo com os autores, tem havido pouca atenção à parentalidade e ao desenvolvimento infantil em famílias monoparentais e de pais trans formadas através das técnicas reprodutivas, embora as evidências preliminares sobre as crianças na primeira e segunda infância indiquem que nem o número de pais nem as identidades de gênero dos pais resultam em resultados negativos. No entanto, alguns estudos mostraram que uma estrutura familiar monoparental formada através da cessão temporária de útero e identidade de gênero parental são, em alguns casos, relevantes para as experiências sociais dos pais e dos filhos, incluindo sua exposição a microagressões (interações onde ocorrem injúrias breves e clichês, que podem ser verbais, comportamentais ou ambientais; de forma intencional ou não; que comunicam hostilidade, depreciação ou desrespeito contra membros de um grupo oprimido, sendo geralmente percebidos como agressões apenas pelas vítimas) e atitudes negativas de outras pessoas. Ainda não se sabe se todas essas descobertas relativas a famílias com diversos números de pais, gênero, identidade de gênero e orientação sexual são mantidas à medida que as crianças entram na adolescência. As evidências nesse sentido seriam particularmente relevantes para determinar se alguns aspectos da qualidade parental e da adaptação da criança podem diferir entre os estágios de desenvolvimento das crianças e/ou tipos de família.

O artigo ofereceu uma visão geral do desenvolvimento do adolescente e da relação pai-filho nas diversas formas familiares criadas pelas técnicas reprodutivas, de acordo com a investigação empírica atual. Para este fim, os autores introduziram os quadros de apego, desenvolvimento de identidade e regulação emocional para fornecer uma explicação teórica dos principais processos envolvidos nas famílias formadas através das técnicas reprodutivas durante a adolescência.

Segundo o autor, o período de desenvolvimento da adolescência é um foco útil para estudos sobre os efeitos da concepção via técnicas reprodutivas no ajustamento do adolescente e na relação entre pais e filhos, pois é precisamente neste período sensível que os adolescentes enfrentam importantes tarefas de desenvolvimento no que diz respeito à formação da identidade e à negociação entre a ligação com pais e autonomia, também relacionada ao desenvolvimento de outras capacidades importantes, como mentalização, regulação emocional e relacionamento entre pares. O sucesso ou fracasso dos adolescentes na realização dessas tarefas pode resultar em vários graus de conflito, com implicações profundas para o desenvolvimento adulto. Em particular, o maior desejo de autonomia dos adolescentes pode apresentar dificuldades em famílias formadas através da reprodução assistida, uma vez que os pais destas famílias tendem a estar muito envolvidos com os seus filhos. Da mesma forma que as crianças adotadas, os adolescentes concebidos por doadores que estão conscientes da sua forma de concepção podem sentir-se desafiados nos seus esforços para se compreenderem como tendo uma ligação genética com um doador e possivelmente com irmãos deste doador (isto é, meio-irmãos genéticos nascidos do mesmo doador) mas criados em famílias diferentes), cujas identidades talvez nunca conheçam. Adolescentes nascidos através de doadora de útero temporária enfrentam desafios semelhantes em relação à sua ligação gestacional com esta doadora (e sua conexão genética com ela, se foram concebidos usando o óvulo dela) ou sua conexão genética com uma doadora de óvulos, bem como sua ligação gestacional ou genética aos próprios filhos desta doadora.

A teoria do apego sustenta que a qualidade do relacionamento entre pais e filhos é crucial para o adolescente, na medida em que um padrão de apego seguro pode contribuir para uma transição saudável para a autonomia. Além disso, na adolescência (como na primeira e segunda infância), um padrão de apego seguro está associado à exploração segura e é provável que proteja contra muitos comportamentos de risco e psicopatologia. Nesta perspectiva, os adolescentes inseguros nascidos através da reprodução assistida ao perceberem qualquer exploração sobre suas origens (por exemplo, refletir sobre os seus pensamentos e sentimentos em relação ao doador e/ou substituto, iniciar conversas sobre as suas origens genéticas e/ou estrutura familiar) podem senti-las como ameaçadora e intimidante, porque essa exploração é nova, desconhecida e porque não sabem como os pais poderão reagir à sua curiosidade. Por outro lado, os adolescentes seguros podem sentir-se mais confortáveis em expressar o seu desejo de saber mais sobre as suas origens e ser menos propensos a sentir que esta curiosidade colocará em risco o seu vínculo emocional com os pais.

Os autores lembram que durante a adolescência, com as alterações hormonais provocadas pela puberdade afetando o funcionamento mental, além de gerar o interesse sexual mais ativo no jovem e tornando-o capaz de tornar-se pai, o interesse pelas questões de reprodução humana poderão ocorrer. Mas ainda não se sabe se o desenvolvimento de uma identidade reprodutiva na adolescência provavelmente influenciará o interesse dos adolescentes em seus doadores e/ou substitutos, como demonstrado por pesquisas com adolescentes adotados e seus pais biológicos. Por fim, na adolescência, a compreensão de quem se é em relação aos outros torna-se fundamental para a formação da identidade, conforme teorizado por Erikson. A este respeito, os autores se perguntam, se os processos de autodefinição dos adolescentes poderiam ser afetados pela compreensão de suas origens, o que pode incluir adoção ou na reprodução assistida. As relações entre pais (pretendidos), filhos, doadores de óvulos, doadores de esperma, substitutos e irmãos doadores são multifacetadas e muitas vezes emocionalmente envolvidas, segundo os autores. Alguns estudos descobriram que os doadores relatam consistentemente o altruísmo e o desejo de ajudar outro casal a ter um filho como fatores motivadores significativos para a doação. Em estudos feitos fora do Brasil sobre as motivações dos doadores e substitutos, apontou que o altruísmo e a empatia pelos futuros pais podem coexistir com a compensação financeira. Além disso, no caso específico da doação de óvulos, doar com o propósito de obter tratamentos mais baratos para si próprios é igualmente importante, com alguns doadores de óvulos sentindo que este processo é “vantajoso para todos” para todas as partes e considerando é preferível que os óvulos venham de mulheres já submetidas à fertilização in vitro. Alguns doadores podem manter certa distância física e emocional da família que ajudaram a criar, considerando o ato de doar semelhante ao de doar um celular. No entanto, os doadores de embriões podem ser uma exceção, pois são mais propensos a considerar os seus embriões como filhos potenciais. Ao mesmo tempo, os pais e adolescentes (pretendidos) precisam definir uma proximidade confortável com o doador, o substituto e/ou quaisquer irmãos do doador. É de fundamental importância que as opiniões dos filhos sobre suas relações com doadores, substitutos e irmãos doadores sejam exploradas. Isto pode ser particularmente relevante para os filhos adolescentes, cujos processos de formação de identidade provavelmente dependem da definição das suas origens, e que podem estar numa idade em que é legal (ou seja, 16 ou 18 anos, dependendo da jurisdição) solicitar e acessar a identidade de um doador.

Alguns estudos centraram-se na saúde física, no desenvolvimento cognitivo e nas competências socioemocionais de crianças concebidas através das técnicas reprodutivas. Duas revisões de literatura consideraram alguns fatores de confusão importantes (por exemplo, nascimentos múltiplos, prematuridade) e descobriram que as crianças por fertilização in vitro não diferem das crianças concebidas espontaneamente na saúde física. Mas os autores ressaltam a necessidade de pesquisas adicionais e longitudinais para confirmar essas descobertas.

Outros estudos descobriram que adolescentes de fertilização in vitro não apresentam diferenças em problemas comportamentais, problemas entre seus colegas e funcionamento emocional. No que diz respeito às famílias de doação reprodutiva, um estudo de coorte nacional baseado em registros na Dinamarca descobriu que os filhos adolescentes apresentavam bom desempenho acadêmico. Da mesma forma, um estudo do Reino Unido realizado por Golombok et al. descobriram que os adolescentes concebidos através da reprodução assistida mostraram um ajustamento psicológico saudável. Mais especificamente, o estudo do Reino Unido descobriu que, quando os filhos tinham 14 anos de idade, as mães em famílias de substituição mostraram uma parentalidade menos negativa e relataram maior aceitação dos seus filhos adolescentes e menos problemas nas relações familiares, em comparação com as mães que doaram gametas. Além disso, foram encontradas relações menos positivas entre mães e adolescentes em famílias de doação de óvulos do que em famílias de doadoras de inseminação. No entanto, segundo os autores, não houve diferenças nos problemas de adaptação dos adolescentes, bem-estar psicológico e auto-estima entre famílias de inseminação de doadores, doação de óvulos, útero de substituição e concepção espontânea.

Outro tema de extrema importância para famílias em tratamentos de reprodução assistida e adaptação dos adolescentes, é contar aos filhos sobre o tratamento. Estudos anteriores no Reino Unido não encontraram efeitos negativos do sigilo no ajustamento psicológico de adolescentes concebidos por doadores. No entanto, um estudo mais recente neste mesmo país, enfatizou que as crianças que são informadas sobre as suas origens desde tenra idade são mais bem ajustadas psicologicamente e relatam maior qualidade de relacionamento familiar na adolescência.

Até onde sabemos, muito pouca investigação foi realizada sobre possíveis fatores de proteção ou de risco no processo de revelação em famílias formadas através das técnicas reprodutivas. Em geral, a literatura indica que a idade em que as crianças são informadas ou descobrem que nasceram através da reprodução assistida influencia os seus sentimentos sobre as circunstâncias do seu nascimento, sendo que aquelas que são informadas mais tarde (ou seja, a partir da adolescência) ou que descobrem acidentalmente experienciando uma maior probabilidade de sofrimento psicológico. Atualmente, recomenda-se a divulgação sobre a concepção do doador, uma vez que pesquisas encontraram níveis mais baixos de conflito entre mães e filhos adolescentes que conhecem suas origens, mesmo em comparação com mães e filhas adolescentes.

Para os autores, uma vez que se descobriu que o estigma da infertilidade afeta mais as mulheres do que os homens, este aspecto pode ser relevante para explorar com mães de crianças concebidas através da doação de óvulos em pesquisas futuras.

Em relação ao uso de doadora de útero temporário em famílias de pais heterossexuais, alguns estudos focaram na relação pais-adolescente, encontrando uma relação mãe-adolescente mais positiva em famílias de doadora de útero em comparação com famílias de doação de gametas quando as crianças têm 14 anos de idade. Mais especificamente, descobriu-se que as mães em famílias de substituição apresentam níveis mais baixos de parentalidade negativa e maior aceitação para com os seus adolescentes, e descobriu-se que as famílias de substituição apresentam um melhor funcionamento geral do relacionamento.

Outro tema emergente de interesse na área reprodutiva abordada pelos autores diz respeito às redes familiares alargadas, que podem incluir doadores, substitutos e suas famílias, bem como irmãos doadores/substitutos. O termo doador/irmão substituto é controverso, porque nem todas as pessoas concebidas por meio de doação reprodutiva consideram outras pessoas nascidas do mesmo doador ou substituto como irmãos. No entanto, um número crescente de pessoas nascidas através da doação de óvulos ou espermatozoides está interessada em procurar e contactar outras pessoas nascidas através do mesmo doador, para melhor compreenderem a si mesmas e à sua identidade genética. Vale lembrar que a disseminação de registros de doadores on-line está ajudando os descendentes dos doadores a procurar e se conectar com os irmãos do doadores. Alguns estudos descobriram que os descendentes de reprodução assistida consideram o contato com irmãos doadores como normal ou uma experiência única, e os descendentes adolescentes, em particular, associam-no à formação de identidade. No entanto, alguns adolescentes referem-se ao relacionamento com os irmãos doadores como turbulento, especialmente no início.

Considerando a conceituação de distância de regulação emocional de Grotevant mencionada pelos autores, pode ser possível compreender as tentativas de alguns adolescentes de contatar seus doadores, substitutos e/ou irmãos doadores como uma estratégia de regulação emocional, expressa por meio de uma busca por proximidade. Segundo eles, alguns adolescentes, por exemplo, podem achar tranquilizadoras as semelhanças com pessoas que estão geneticamente ligadas a eles, contribuindo para uma identidade mais definida e integrada. No entanto, outros adolescentes podem fantasiar sobre o seu doador ou substituto como uma figura parental adicional quando têm problemas ou conflitos com os seus pais ou quando precisam de negociar a dependência dos seus pais (como na adolescência, quando os indivíduos normalmente procuram maior autonomia). Algumas características dos adolescentes e dos pais (por exemplo, estado de espírito em relação ao apego, traços de personalidade) podem ser moderadores importantes de como os filhos procuram e contatam os seus doadores, substitutos e irmãos doadores. Pesquisas futuras devem procurar explorar isso com mais profundidade, de acordo com os autores.

Portanto, é imprevisível se os adolescentes gerados pelas técnicas reprodutivas estarão interessados em procurar ou contatar os seus irmãos doadores e, em caso afirmativo, se os considerarão irmãos reais. Afinal, os indivíduos podem ter opiniões muito diferentes sobre a importância de um vínculo genético ou gestacional nos relacionamentos. Além disso, os adolescentes podem ter opiniões diferentes dos seus pais, até mesmo sobre a procura de doadores, como indicado pelo fato de nem todos os filhos concebidos por doadores informarem os seus pais sobre o seu interesse em conhecer/contatar o seu doador.

Além de todos os fatores mencionados acima influenciando no desenvolvimento de crianças e adolescentes (NEGRÃO et al., 2020), outras variáveis (CAVAGGIONI et al., 2020 e LEAL, MC et al., 2018) são importantes de serem consideradas em pesquisas futuras com os indivíduos nascidos pelas técnicas reprodutivas, que possam ser variáveis de confusão ao buscar avaliar o impacto destas técnicas no desenvolvimento infantil até a vida adulta. Entre elas, o tipo de parto ao nascer, que no Brasil, quase 55% dos bebês nascem via cesariana, sendo o recomendado pela OMS o ideal entre 10% a 15% (BETRAN et al., 2015 e OMS, 2015).  Isso porque vários estudos encontraram associação entre cesariana e risco aumentado (35% maior) de obesidade KUHLE et al., 2015 e LI et al., 2013), asma (THAVAGNANAM et al., 2008), diabetes mellitus tipo 1 (CARDWELL et al., 2008),  na infância, adolescência e vida adulta. E hipertensão na vida adulta (FERRARO et al., 2019). Outros estudos também alertam que nascer de cesárea possa prejudicar o relacionamento mãe-filho. (CAVALCANTE et. Al., 2015)

Finalizando, lanço mão da citação do Leonardo da Vinci para reforçar o quanto a ciência e prática precisam caminhar juntas, o quanto diversos pesquisadores atuantes e interessados na área reprodutiva estão engajados  em obter respostas para as reflexões abordadas neste texto.

 

“Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino”. Leonardo da Vinci

 

Betran PA,Torloni SENHOR, Zhang J., e outros.  Qual é a taxa de cesariana ideal em nível populacional? Uma revisão sistemática de estudos ecológicos.Saúde da reprodução.2015;12:Artigo 57.º

 

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Cavalcante, M. C. V., Lamy, F., França, A. K. T. da C., & Lamy, Z. C.. (2017). Relação mãe-filho e fatores associados: análise hierarquizada de base populacional em uma capital do Brasil-Estudo BRISA. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1683–1693. https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.21722015

 

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