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Comitê: Famílias Plurais

IMPLICAÇÕES ÉTICO-LEGAIS RELACIONADAS À REPRODUÇÃO ASSISTIDA PARA FAMÍLIAS PLURAIS

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Autoria: 

Carla Maria Franco Dias

Comitê de Famílias Plurais

Coordenadora: 

Lucia Alves da Silva Lara

 

Membros: 

Carla Maria Franco Dias

Bruna Holanda Luz Nascimento

Camylla Felipe Silva 

Charles Schineider Borges

Estella Thaisa Sontag dos Reis

Ludmila Machado Neves Bercaire

Mary Elly Alves Negrão

 

Introdução

          O Brasil é um estado laico, que consagra o pluralismo e o respeito à diversidade e à autonomia de seus cidadãos. A Constituição Federal de 1988 amplia o conceito de família ao evitar adjetivações e exclusões em sua redação (1). Ela garante aos indivíduos o livre-arbítrio em relação ao planejamento familiar, englobando, portanto, diversas formas de constituição familiar, baseadas em relações de afeto e convivência e não apenas no matrimônio entre homem e mulher. O artigo 226 prevê que a família é a base da sociedade e deve ter a proteção do Estado, bem como aborda a necessidade de responsabilidade parental (2). 

Diante do reconhecimento de novas estruturas familiares, a medicina reprodutiva tem trabalhado para garantir maior igualdade entre os indivíduos. A reprodução assistida (RA) tem como uma das suas finalidades principais atuar no processo de procriação (3), auxiliando muitos indivíduos a realizarem o sonho de terem filhos, em condições que naturalmente estes teriam dificuldades. Cada vez mais, famílias monoparentais, ampliadas, homoafetivas, trans, entre outras, têm procurado atendimento médico a fim de viabilizar a constituição de sua prole. Entretanto, a legislação acerca desta temática ainda está em constante atualização. 

        No Brasil, as normas éticas de utilização das técnicas de reprodução assistida são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A mais recente normativa é a Resolução de nº 2.320/2022, publicada em setembro de 2022 (3). Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamenta o registro civil dos indivíduos frutos destes tratamentos, sendo o Provimento nº 83, de agosto de 2019, a legislação vigente (4). 

 

Famílias monoparentais

         Famílias monoparentais são constituídas por apenas um progenitor e seus filhos. Seja qual for a identidade de gênero deste progenitor, a RA pode possibilitar que a pessoa tenha filhos biológicos. Em indivíduos biologicamente femininos, os óvulos são obtidos através do processo de estimulação ovariana controlada e captação oocitária, sendo fertilizados in vitro (FIV) com sêmen de doador. Posteriormente, os embriões formados são transferidos para dentro do útero. Em indivíduos biologicamente masculinos, a fertilização é realizada com óvulos doados e sêmen próprio, com posterior transferência embrionária para um útero de substituição, ou seja, o processo gestacional ocorre em uma mulher cedente temporária do útero (3).  

 

Casais homoafetivos 

          Casais homoafetivos femininos podem lançar mão do uso de sêmen de doador para constituírem prole biológica. Este sêmen pode ser utilizado para a realização de inseminação intrauterina, na qual os espermatozoides são injetados no interior da cavidade uterina, após a monitorização da ovulação, bem como pode ser utilizado na FIV. Uma estratégia possível é a gestação compartilhada, na qual os óvulos de uma das mulheres são fertilizados in vitro, sendo o(s) embrião(ões) formado transferido para o útero de sua parceira³. É importante destacar que o sêmen pode ser utilizado para fertilizar os óvulos de ambas as mulheres, porém não é permitida a transferência de embriões de origens genéticas diferentes para o mesmo útero, em uma mesma transferência e não é permitida que seja realizada a mistura dos óvulos de duas mulheres para fecundação (3). 

           Em contrapartida, casais homoafetivos masculinos que sonham em ter filhos biológicos necessitam de óvulos doados e útero de substituição. É possível a fertilização dos óvulos de uma mesma doadora com o sêmen de cada um dos parceiros, mas este processo deve ser feito separadamente, de modo a ser identificada a ascendência biológica de cada embrião, sendo proibida a mistura dos espermatozoides de ambos os parceiros. Nessa condição, também não é permitida a transferência de embriões de origens genéticas diferentes para o mesmo útero (3). 

 

Doação de gametas (óvulos ou sêmen) 

         Óvulos ou sêmen podem ser obtidos através de doadores anônimos, ou seja, os receptores dos gametas não devem conhecer a identidade dos doadores e vice-versa. Exceção ao anonimato é permitida quando a doação de gametas ocorrer entre parentes de até 4º grau (pais, filhos, avós, irmãos, tios, sobrinhos e primos), desde que a utilização dos gametas não incorra em consanguinidade (3). 

 

Útero de substituição 

          Útero de substituição é uma opção que necessita obedecer a alguns pré-requisitos; a mulher cedente temporária do útero deve ter até 50 anos, possuir pelo menos um filho vivo e ser parente consanguíneo de até 4º grau de um dos ascendentes. Caso a potencial cedente não possua parentesco, deverá ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM). A cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial, e a clínica de reprodução não pode intermediar a escolha da cedente e está condicionada aos seguintes requisitos: i) termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação; ii) relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos; iii) termo de compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero que receberá o embrião em seu útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança; iv) compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s) de serviços de reprodução assistida, públicos ou privados, com tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mulher que ceder temporariamente o útero, até o puerpério; v) compromisso do registro civil da criança pelos pacientes, devendo essa documentação ser providenciada durante a gravidez; e vi) aprovação do(a) cônjuge ou companheiro(a), apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável. A cedente temporária do útero não pode ser a doadora dos óvulos, caso estes sejam necessários no processo (3). 

 

Famílias ampliadas – Poliamor 

           Em reprodução assistida, não é permitida a mistura de material genético de três ou mais indivíduos. É importante a identificação da origem genética das crianças geradas neste processo, a fim de garantir maior segurança e rastreabilidade da prole. Dessa forma, é vedada a mistura de sêmen, óvulos e embriões oriundos de vários indivíduos em uma mesma gestação (3).  

           Da mesma forma, o registro civil de crianças é feito inicialmente apenas no nome de dois progenitores. Entretanto, após o nascimento e registro, é possível a filiação socioafetiva, na qual é reconhecido e feito o registro civil do parentesco de origem não consanguínea em famílias ampliadas, podendo os indivíduos desfrutarem dos mesmos direitos e deveres parentais. O reconhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos pode ser autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. Porém, famílias com filhos com menos de 12 anos, necessitam de ter este reconhecimento mediante via judicial (4).

 

Registro civil 

          Para fins de registro civil e emissão de certidão de nascimento é indispensável a apresentação dos seguintes documentos, conforme previsto pelo Provimento nº 63 do CNJ, artigo 17 (5): I – declaração de nascido vivo (DNV); II – declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários; III – certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

          Em casos de utilização de útero de substituição, também é necessária a apresentação do termo de compromisso firmado com a doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação (5). Diante da necessidade de uso de gametas doados ou de útero de substituição, não constará na certidão de nascimento os nomes dos doadores ou da parturiente, não existindo vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos5. Em famílias homoafetivas, o registro civil deve ser adequado para que conste o nome dos dois ascendentes, mas sem distinção quanto à ascendência materna ou paterna (5).

Considerações finais

          Cada vez mais, as diferentes conformações familiares têm sido reconhecidas e validadas e buscam por condições igualitárias de constituírem prole e desfrutarem dos mesmos direitos e deveres parentais. No Brasil, ainda temos muitos desafios relacionados à reprodução assistida para famílias plurais. O acesso socioeconômico e os aspectos éticos-legais são temáticas polêmicas que devem ser constantemente debatidas e atualizadas pela sociedade. 

 

Referências

  1. Menezes JB de. A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: UMA INSTITUIÇÃO PLURAL ATENTA AS DIREITOS DA PERSONALIDADE. Novos Estudos Jurí­dicos. 2008;13(1):119–32. 

 

  1. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [Internet]. [citado 12 de agosto de 2023]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91972/constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988

 

  1. 2320_2022.pdf [Internet]. [citado 12 de agosto de 2023]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2022/2320_2022.pdf

 

  1. Paternidade socioafetiva (Provimento 83 do CNJ) – Jus.com.br | Jus Navigandi [Internet]. [citado 12 de agosto de 2023]. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78089/paternidade-socioafetiva-provimento-83-do-cnj

 

  1. atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525 [Internet]. [citado 12 de agosto de 2023]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525

 

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