Vanya Sansivieri Dossi
“…Eu sonho com um futuro ficcional no qual as mudanças de expressão de gênero não necessitarão de cirurgias, hormônios e nem causarão repulsa social – uma sociedade na qual todos poderão escolher sua forma de expressão como e quando quiserem…” Andrew Solomon, “Longe da Árvore”
Diante da multiplicidade das chamadas “novas” famílias elencadas por estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento, percebemos, cada vez mais, o desejo dos transgêneros em formar sua própria família.
A inclusão da paternidade e maternidade transgênero nas configurações familiares é o reconhecimento desse desejo e do direito desses indivíduos, e leva a sociedade a refletir sobre a transformação de papéis.
A utilização de técnicas reprodutivas possibilita experimentar uma forma de parentalidade anteriormente indisponível. Assim, ao combinar desejos e possibilidades reprodutivas com quebras de paradigmas socioculturais, a paternidade e maternidade transgênero torna-se uma categoria não convencional, fruto da sociedade contemporânea.
Pensando nisso e com o objetivo de verificar se estavam procurando médicos e clínicas de reprodução assistida e para quais tratamentos, realizei dois levantamentos, sendo o primeiro em 2019 e o segundo em 2021. Em 2019, 46% dos médicos/clínicas haviam atendido pacientes transgênero, sendo 25% de homens trans para tratamento e 6% mulheres trans para tratamento. O restante procurou para obter informações. Já em 2021, 57% dos médicos/clínicas já haviam recebido pessoas transgênero, sendo que 55% eram homens trans e 45% mulheres trans, mostrando que a procura por tratamentos é crescente, assim como confirma a demanda do desejo desses sujeitos na formação de uma família ligada biologicamente a eles.
Provavelmente, isso se deu através da visibilidade conquistada pelos movimentos e iniciativas de reconhecimento à essa comunidade, com aumento do acesso às informações.
No levantamento de 2021, perguntei também o que os profissionais dos centros de reprodução gostariam se saber sobre essa população, e as respostas foram sobre a orientação à equipe e condução dos casos, aspectos legais e psicológicos, mudanças nos protocolos de atendimento e prontuário.
As respostas partem de um pressuposto principal, que é o respeito. Existe uma prevalência de experiências traumáticas na vida de alguns transgêneros e é importante que exista segurança por parte dos profissionais, o que favorece na segurança e confiança para o atendimento.
A comunicação verbal e não-verbal é fundamental, agir com naturalidade e evitar gestos ou comentários que os identifiquem, é um exemplo disso. É necessária a adequação dos cadastros, prontuários e demais documentos com a inclusão do nome social, bem como tratá-los segundo indicado, mesmo que os documentos ainda não estejam alterados.
Em relação ao ambiente, aventais, toucas e demais descartáveis utilizados nos consultórios e centro cirúrgico devem ser de cor neutra.
Deve-se evitar também o uso de conceitos baseados na binariedade e família tradicional, pensando que nem todas as pessoas que engravidam se consideram “mães” ou usam pronomes femininos, e nem todos os homens que contribuem com esperma se referem a si mesmos como “pais” ou usam pronomes masculinos.
Outro cuidado, extremamente importante e crucial, diz respeito à disforia que permeia a vivência dos transgêneros e que pode ser evocada durante os exames e procedimentos. Nos casos dos homens trans, pode ser muito desconfortável realizar a ultrassonografia transvaginal, coleta de óvulos e transferência embrionária nas fertilizações in vitro, ou introdução do cateter com o sêmen, nos casos de inseminação intrauterina. Para as mulheres trans, entrar em contato com o órgão sexual masculino, com a ereção e manejo para a ejaculação pode causar desconforto. Esses sentimentos e expressões devem ser acolhidos e respeitados e, dentro do possível, médicos e equipes devem oferecer uma solução viável.
A proposta desse artigo foi apresentar algumas considerações sobre uma das novas formas de parentalidade, trazendo um breve panorama sobre a procura pelas clínicas e tratamentos, além de trazer respostas às questões comuns e importantes sobre as necessidades específicas dessa população. É de suma importância que clínicas e profissionais busquem adequar os ambientes e cuidados para que os pacientes se sintam respeitados, seguros e à vontade para aderirem e realizarem os tratamentos. Espero ter cumprido esse propósito.