Carla Maria Franco Dias¹

Paula Andrea Navarro²

¹,² Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP; 1Membro do Comitê de Famílias Plurais da SBRH; 2Membro do Comitê de Infertilidade da SBRH e atual Presidente da SBRH

Definição

Até o presente, não há um consenso internacional sobre a definição de falha recorrente de implantação (RIF). Neste contexto, é importante refletirmos que a fertilidade humana é relativamente baixa, sendo a taxa de gravidez por ciclo muito influenciada pela idade da mulher e variando, em, média, de 15 a 20% quando a mulher tem menos de 40 anos. Por outro lado, é relevante salientarmos que, na atualidade, mesmo os mais conceituados laboratórios de reprodução assistida não melhoram a qualidade dos gametas (óvulos e espermatozóides) e, consequentemente, não otimizam a qualidade embrionária, que é determinada, preponderantemente, pela qualidade gamética.  Desta forma, a definição de falha recorrente de implantação, situação em que, investigação e/ou intervenções adicionais podem ser consideradas, deve levar em consideração a idade da mulher e a qualidade embrionária.

A Sociedade Européia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) publicou este ano uma recomendação prática sobre falha recorrente de implantação, sugerindo que a mesma seja definida como a ausência de um teste de gravidez positivo (dosagem do hCG sanguíneo ou urinário) após um determinado número de transferências embrionárias (TE), em que a chance cumulativa prevista de implantação bem-sucedida associada a esse número de tentativas é superior a 60%. Esta definição nos parece sensata e, abaixo, será melhor apresentada.

Pacientes cujo histórico indica que sua chance de conceber até o momento ainda não atingiu este limite devem ser aconselhados a simplesmente prosseguir para outro ciclo de tratamento de reprodução assistida (TRA), evitando gastos, perda de tempo e desgaste desnecessários com abordagens diagnósticas e terapêuticas não embasadas cientificamente. Após o estabelecimento do diagnóstico de RIF, investigações e/ou intervenções adicionais devem ser consideradas e serão apresentadas. 

 

Cálculo do limite discriminatório da RIF

 

A avaliação da taxa de implantação associada às transferências embrionárias deve ser feita de maneira individualizada, levando em consideração características próprias do paciente/casal. Como acima descrito, diversos fatores impactam sobremaneira nesse cálculo, como, por exemplo, a idade materna, a taxa de euploidia (se rastreada) e o número de embriões em estágio de clivagem ou de blastocistos transferidos e devem ser considerados (vide tabela abaixo). 

O cálculo do limite discriminatório para diagnóstico individualizado de RIF nem sempre é fácil ou viável. Uma abordagem alternativa, a fim de estimar a taxa de implantação cumulativa, é basear-se na taxa de gestação clínica obtida em grupos específicos, como apresentado na tabela abaixo: 

Idade materna (anos) Limite discriminatório > 60%
Embriões não testados quanto a ploidia < 35  Intervir após 3 TE
35 -39 Intervir após 4 TE
≥ 40  Intervir após 6 TE
Embriões euplóides segundo análise por PGT-A < 35  Intervir após 2 TE
35 -39 Intervir após 2 TE
≥ 40  Intervir após 2 TE

 

Nota. Tabela ilustrando a definição de RIF segundo a recomendação do ESHRE, com base na prática clínica.

As recomendações a seguir assumem que foi realizada a propedêutica inicial de investigação de infertilidade previamente ao tratamento de reprodução assistida (TRA): anamnese e exame físico da mulher e do homem, ultrassonografia pélvica 2D, avaliação da função ovulatória (calendário menstrual/ exames hormonais), avaliação da reserva ovariana (contagem de folículos antrais ou dosagem de hormônio antimulleriano) e espermograma. 

 

Reavaliação do estilo de vida

 

Reavaliação da espessura endometrial

 

Pesquisa de Síndrome de Anticorpo-antifosfolípide (SAAF)

 

Avaliação do cariótipo do casal

 

Avaliação anatômica da cavidade uterina

 

Avaliação da função endometrial e testes de receptividade endometrial 

 

Avaliação de endometrite crônica

 

Avaliação do microbioma uterino e vaginal

 

Avaliação metabólica e endócrina

 

Avaliação imunológica

 

Avaliação de fatores relacionados ao embrião 

 

Análise seminal 

Outras intervenções

 

Outras Intervenções sugeridas, ainda sem estudos adequados para RIF: time-lapse; sildenafil; técnica de transferência embrionária; transferência de embrião criopreservado; meio de transferência suplementado com ácido hialurônico e doação de gametas.

 

Considerações finais

O tratamento da infertilidade apresenta impacto psicossocial importante na vida dos pacientes, principalmente quando os resultados são negativos. Portanto, recomenda-se que o profissional e o serviço de reprodução assistida estejam abertos a ouvir e a esclarecer potenciais dúvidas de maneira empática e respeitosa. 

Os processos envolvidos, os resultados possíveis e os prognósticos relacionados ao tratamento devem ser discutidos de forma clara e honesta. Isto inclui individualizar o diagnóstico de falha recorrente de implantação, com base nas chances de uma implantação bem-sucedida do paciente/casal, e restringir as investigações e as intervenções àquelas apoiadas por uma justificativa clara e com dados científicos sobre seu benefício e segurança. Investir tempo e dinheiro realizando investigações e/ou intervenções não embasadas cientificamente não parece ser o melhor caminho a seguir.

A RIF é uma entidade desafiadora, e os tratamentos propostos estão em intensa investigação. Espera-se que as recomendações atuais estejam em constante atualização nos próximos anos. 

 

Referências bibliográficas

  1. European IVF-Monitoring Consortium (EIM) for the European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE); Wyns C, De Geyter C, Calhaz-Jorge C, Kupka MS, Motrenko T, Smeenk J, Bergh C, Tandler-Schneider A, Rugescu IA, Vidakovic S, Goossens V. ART in Europe, 2017: results generated from European registries by ESHRE. Hum Reprod Open. 2021 Aug 5;2021(3):hoab026. doi: 10.1093/hropen/hoab026. PMID: 34377841; PMCID: PMC8342033.
  2. ESHRE Working Group on Recurrent Implantation Failure; Cimadomo D, de Los Santos MJ, Griesinger G, Lainas G, Le Clef N, McLernon DJ, Montjean D, Toth B, Vermeulen N, Macklon N. ESHRE good practice recommendations on recurrent implantation failure. Hum Reprod Open. 2023 Jun 15;2023(3):hoad023. doi: 10.1093/hropen/hoad023. PMID: 37332387; PMCID: PMC10270320.

 

Figura 1. Resumo da propedêutica e das intervenções que são recomendadas, podem ser consideradas ou não são recomendadas em pacientes com RIF segundo o ESHRE, 2023.

Nota: SAAF: Síndrome Anti-Fosfolípide. NK: natural killer. FISH: hibridização fluorescente in situ. DNA: ácido desoxiribonucleico. HLA-C: antígeno leucocitário humano C. PGT: teste genético pré-implantação. PGT-A: teste genético pré-implantação para rastreamento de aneuploidia. G-CSF: Fator estimulador de colônias de granulócitos. PRP: Plasma rico em plaquetas. hCG: gonadotrofina coriônica humana. A-GnRH: agonista do hormônio liberador de gonadotrofinas. Assisted hatching: eclosão assistida (abertura da zona pelúcida).

Fonte: ESHRE Working Group on Recurrent Implantation Failure; Cimadomo D, de Los Santos MJ, Griesinger G, Lainas G, Le Clef N, McLernon DJ, Montjean D, Toth B, Vermeulen N, Macklon N. ESHRE good practice recommendations on recurrent implantation failure. Hum Reprod Open. 2023 Jun 15;2023(3):hoad023. doi: 10.1093/hropen/hoad023. PMID: 37332387; PMCID: PMC10270320.

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