Thomaz Gabriel Miklos 1,2, George Vaz 1,3, Paula Andrea Navarro4,5
- Membro do Comitê de Infertilidade da SBRH
- Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Universidade Santo Amaro
- Professor assistente da disciplina de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
- Coordenadora do Comitê de Infertilidade da SBRH
- Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Setor de Reprodução Humana
A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais comum que afeta mulheres em idade reprodutiva, com impactos ao longo da vida, desde a adolescência até a pós-menopausa, com prevalência entre 10 a 13%. A etiologia da SOP é complexa e a apresentação clínica é heterogênea com aspectos reprodutivos, metabólicos e psicológicos.
Em 2023 foram atualizadas as recomendações do guideline internacional baseado em evidências para avaliação e manejo da Síndrome dos Ovários Policísticos, que além de abordar diversos aspectos da SOP, faz recomendações relativas à abordagem e tratamento da infertilidade
Este documento é uma tradução livre e resumida das recomendações com foco nos aspectos reprodutivos do guideline, capítulo cinco: Assessment and treatment of infertility, International Evidence-based Guideline for the assessment and management of polycystic ovary syndrome 2023. O documento original está disponivel na integra no endereço eletronico: https://www.monash.edu/__data/assets/pdf_file/0003/3379521/Evidence-Based-Guidelines-2023.pdf
Fatores de risco pré-concepcionais
Pacientes com SOP devem receber cuidados pré-concepcionais específicos a fim de minimizar o risco de diabetes gestacional, parto prematuro, pré-eclâmpsia, aborto espontâneo, maior tempo para concepção e maior risco de síndrome de hiperestimulação ovariana. Ansiedade e depressão também são características da SOP, com triagem de rotina recomendada. A imagem corporal e os transtornos alimentares também são mais prevalentes na SOP e devem ser considerados e explorados. Em conjunto, estes fatores podem impactar a saúde do relacionamento e a intimidade sexual e impactar a adesão ao tratamento de fertilidade.
Identificar e corrigir fatores de risco modificáveis como alteração ponderal, tabagismo, consumo de álcool, drogas recreativas, infecções sexualmente transmissíveis não tratadas, bem como compensar patologias como diabetes, hipertensão, ansiedade, depressão entre outras, é recomendado. Enfatizar a suplementação de ácido fólico e adequar o estado nutricional bem como a vitamina D.
Estudos clínicos randomizados e controlados (RCTs) mostram o impacto do peso sobre a fertilidade; pacientes com SOP e IMC > 25 Kg/m2 apresentam uma menor taxa de gestação e maior taxa de aborto quando comparadas àquelas com SOP de IMC normal. Pacientes devem ser encorajadas a mudar o estivo de vida e corrigir o excesso de peso.
Teste de permeabilidade tubária
A infertilidade por fator tubário ocorre em aproximadamente 30% dos casos e não há evidências de que pacientes com SOP apresentem maior incidência de infertilidade por fator tubário.
A pesquisa do fator tubário pode ser realizada pela histerossalpingografia, histerossonossalpingografia ou cromotubagem durante videolaparoscopia. Esta pesquisa é fundamental paras as pacientes de risco da patologia tubária como antecedentes de peritonite, cirurgias pélvicas, endometriose, doença inflamatória pélvica, infecções sexualmente transmissíveis, entre outras.
A recomendação de consenso é que em mulheres com SOP e infertilidade devido apenas à anovulação com análise seminal normal, os riscos, benefícios e custos, tempo e técnicas de testes de permeabilidade tubária em relação ao custo e complexidade do tratamento devem ser considerados individualmente, dependendo da história pessoal e prevalência populacional, antes de iniciar a indução da ovulação com coito programado ou inseminação intrauterina.
Letrozol
O Letrozol e o Anastrozol, inibidores da aromatase, são agentes eficazes na indução da ovulação, sendo o Letrozol o mais utilizado. Estas medicações inibem a conversão de androgênios em estrogênios, estimulando a liberação de FSH endógeno e, portanto, estimulando a ovulação. Incialmente havia o temor que o Letrozol pudesse induzir a formação de anomalias fetais. Vários estudos, meta-análises e revisões sistemáticas refutaram esta tese, mostrando que o risco de anomalias fetais com Letrozol é semelhante à concepção natural ou uso de outros fármacos utilizados em reprodução.
Recomendações
- O Letrozol deve ser o tratamento farmacológico de primeira escolha para a indução da ovulação em mulheres inférteis com SOP, sem outros fatores de infertilidade.
- O uso de Letrozol ainda é off-label em muitos países. Quando o seu uso não é permitido, outros agentes de indução da ovulação podem ser utilizados.
- O Letrozol não deve ser administrado quando houver qualquer possibilidade de gestação, embora não haja evidências de aumento de taratogenicidade em comparação a outros agentes indutores da ovulação.
Citrato de Clomifeno e Metformina
O CC é um modulador seletivo do receptor estrogênico com propriedades estrogênicas e antiestrogênicas, aprovado pela primeira vez para o uso em pacientes com anovulação em 1967. Apresenta boas taxas de ovulação, porém menores taxas de gestação atribuída ao seu efeito antiestrogênico sobre o endométrio e muco cervical. As taxas de gemelaridade e trigemelaridade são 5-7% e 3% respectivamente, e a síndrome do hiperestímulo ovariano menor que 1%. Foi observado o potencial aumento limítrofe do risco de tumores ovarianos com 12 ciclos ou mais.
A Metformina é uma medicação sensibilizadora da insulina usada para o tratamento de resistência à insulina, agravo este comum na SOP. Ela promove a redução da produção androgênica ovariana, estimulada pela hiperinsulinemia, o que pode favorecer a ovulação.
Recomendações
– Metformina versus placebo:
- A metformina pode ser usada isoladamente em mulheres com SOP e infertilidade, sem outros fatores de infertilidade associados, para melhorar as taxas de gestação e nascidos vivos, informando as pacientes que existem outros agentes para indução da ovulação mais eficazes.
- As mulheres devem ser aconselhadas sobre os potenciais efeitos colaterais gastrointestinais leves com metformina.
- Os encargos com cuidados de saúde, incluindo monitorização, viagens e custos, são menores com a metformina.
- Considerar a idade e o rastreamento de outros fatores de infertilidade associados precisa ser discutido antes da prescrição de metformina.
– Citrato de clomifeno versus metformina
- O CC pode ser usado como indutor da ovulação, em preferênciar à metformina, na infertilidade anovulatória por SOP, sem outros fatores de infertilidade, para aumentar a ovulação, gestação clínica e taxa de nascidos vivos.
- Devido o risco de gestação múltipla ser aumentado com o CC (sozinho ou associado a metformina), é aconselhado o monitoramento ultrassonográfico.
– Citrato de clomifeno e metformina versus CC sozinho
- Citrato de clomifeno combinado com metformina pode ser usado em vez de citrato de clomifeno sozinho em mulheres com SOP com infertilidade anovulatória e nenhum outro fator de infertilidade para melhorar as taxas de ovulação e gravidez clínica.
– Citrato de clomifeno e metformina versus metformina sozinha
- Citrato de clomifeno combinado com metformina pode ser usado em vez de metformina sozinha em mulheres com SOP com infertilidade anovulatória e nenhum outro fator de infertilidade para melhorar as taxas de nascidos vivos.
- O monitoramento dos ciclos combinados precisará ser realizado similarmente ao proposto para o citrato de clomifeno sozinho.
– Citrato de clomifeno versus letrozol
- Letrozol deve ser usado em vez de citrato de clomifeno em mulheres com SOP com infertilidade anovulatória e nenhum outro fator de infertilidade para melhorar a ovulação, a gravidez clínica e as taxas de nascidos vivos.
- Evidências atuais não demonstram diferença nas taxas de anormalidade fetal entre a indução da ovulação com letrozol ou citrato de clomifeno ou a concepção natural.
Gonadotrofinas
A indução da ovulação com gonadotrofinas é usada em mulheres anovulatórias com SOP que não apresentaram ovulação induzida pelos indutores orais de primeira linha previamente descritos. Para evitar a superestimulação e a gravidez múltipla, os regimes tradicionais de aumento de dose (regimes de step-up) devem ser substituídos por regimes de step-up com baixas doses de gonadotrofinas ou regimes de step-down com gonadotrofinas usadas sozinhas. Diferentes preparações de gonadotrofinas parecem funcionar igualmente bem. Pode ser difícil prever respostas de estimulação na SOP e atingir um único folículo dominante para reduzir a gravidez múltipla e a hiperestimulação ovariana, e o monitoramento cuidadoso do desenvolvimento folicular por ultrassom é necessário. Prescrever o gatilho ovulatório apenas com dois ou menos folículos acima de 14 mm. A eficácia, segurança e papel das gonadotrofinas em comparação com outros agentes, incluindo agentes de indução de ovulação oral únicos ou combinados ou diatermia/perfuração laparoscópica (drilling laparoscópico), não são claras.
Recomendações
- As gonadotrofinas podem ser utilizadas como terapia farmacológica de segunda linha para mulheres com SOP que são anovulatórias e inférteis, sem outros fatores de infertilidade e que falharam na indução oral da ovulação de primeira linha.
- Tanto gonadotrofinas quanto cirurgia ovariana laparoscópica podem ser usadas em mulheres com SOP que são anovulatórias e inférteis, com resistência ao citrato de clomifeno e sem outros fatores de infertilidade, após aconselhamento sobre maior taxa de nascidos vivos e maiores taxas de gravidez múltipla com gonadotrofinas.
- As gonadotrofinas sozinhas podem ser consideradas em vez do citrato de clomifeno no tratamento de mulheres com SOP sem tratamento prévio, com infertilidade anovulatória e sem outros fatores de infertilidade, para melhorar a ovulação, a gravidez clínica e as taxas de nascidos vivos.
- As gonadotrofinas sozinhas podem ser usadas em vez de gonadotrofinas combinadas com citrato de clomifeno em mulheres com SOP que são anovulatórias e inférteis com resistência ou falha ao citrato de clomifeno e nenhum outro fator de infertilidade.
- Gonadotrofinas podem ser consideradas em vez da combinação de citrato de clomifeno e metformina em mulheres com SOP que são anovulatórias e inférteis, com resistência ao citrato de clomifeno e sem outros fatores de infertilidade.
- Quando as gonadotrofinas forem ser prescritas, deve ser considerado:
- O custo da intervenção para indução da ovulação.
- Experiência necessária para o uso da intervenção para indução da ovulação.
- O grau de monitoramento intensivo por ultrassom que é necessário.
- Um protocolo de gonadotrofina de baixa dose deve ser usado para otimizar a chance de desenvolvimento monofolicular.
- Implicações de potencial gravidez múltipla.
- Parece não haver diferença na eficácia clínica das preparações de gonadotrofina disponíveis.
- Ao usar gonadotrofinas, deve-se procurar evitar gravidez múltipla. Considerações aqui incluem cancelar ciclos quando há mais de dois folículos maiores que 14 mm de diâmetro, aconselhando evitar relações sexuais desprotegidas.
- A taxa de nascidos vivos, a taxa de gravidez clínica por paciente e a taxa de ovulação por ciclo são maiores com gonadotrofinas do que com citrato de clomifeno.
- Um protocolo de baixa dosagem de gonadotrofina deve ser usado para otimizar a chance de crescimento monofolicular e minimizar a gravidez múltipla.
- A necessidade de monitoramento ecográfico do ciclo e os custos dos medicamentos, juntamente com a necessidade de injeções múltiplas, influenciarão a escolha pelo uso de gonadotrofina.
Cirurgia Ovariana Laparoscópica
Observações de que mulheres com SOP retomaram a ovulação regular após biópsias ovarianas levaram ao desenvolvimento de ressecção cirúrgica em cunha por laparotomia. Dados observacionais pareciam promissores, mas a cirurgia foi superada por agentes de indução da ovulação, até que uma cirurgia laparoscópica menos invasiva surgiu. Pequenas variações metodológicas são relatadas (eletrocautério, vaporização a laser, biópsias ovarianas múltiplas e outras), todas com efeitos endócrinos aparentes. Para o propósito desta revisão, a perfuração ovariana laparoscópica (LOD), às vezes também chamada de diatermia ovariana laparoscópica ou cirurgia ovariana laparoscópica (LOS), é um procedimento cirúrgico no qual um instrumento de diatermia (geralmente uma agulha monopolar) é usado para perfurar o córtex ovariano, seguido pela administração de uma corrente elétrica ao estroma ovariano. Com esses procedimentos, a síndrome de hiperestimulação ovariana e os riscos de gravidez múltipla parecem ser menores do que com outras opções, mas outros riscos são potencialmente maiores, e o esclarecimento do papel da LOS, particularmente em comparação a outros tratamentos, é necessário em mulheres com SOP e infertilidade.
Recomendações
- A cirurgia ovariana laparoscópica pode ser uma terapia de segunda linha para mulheres com SOP que são anovulatórias e inférteis, com resistência ao citrato de clomifeno e sem outros fatores de infertilidade.
- Ao usar cirurgia ovariana laparoscópica, o seguinte deve ser considerado:
- Custo comparativo da intervenção para indução da ovulação.
- Expertise necessária para o uso seguro da intervenção para indução da ovulação.
- Riscos intraoperatórios e pós-operatórios, que são maiores em mulheres acima do peso saudável.
Fertilização in vitro e maturação in vitro
As terapias de indução da ovulação são a primeira e a segunda linhas no tratamento da infertilidade em mulheres com SOP, anovulação e nenhum outro fator de fertilidade. No entanto, quando há resistência ou falha das terapias de indução da ovulação, assim como a incapacidade de superar outras causas concomitantes de infertilidade, as terapias de Tecnologia de Reprodução Assistida (ART), incluindo fertilização in vitro (FIV) e injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), usada na infertilidade por fator masculino, têm um papel na SOP. A FIV tem custos, riscos e limitações, mas também oferece a oportunidade de gravidez e nascimento vivo. Existem desafios em toda a diversidade de protocolos disponíveis e as preocupações na SOP incluem síndrome de hiperestimulação ovariana, altos níveis de estradiol, maturação endometrial acelerada e, de forma ideal, o uso de intervenções de “congelamento total”. Uma alternativa à FIV completa é a maturação in vitro (IVM) de oócitos seguida de FIV, usando injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI). O protocolo IVM, particularmente nas circunstâncias em que não são usadas gonadotrofinas, elimina o risco de síndrome de hiperestimulação ovariana, reduz a carga do paciente e oferece uma alternativa potencial de tratamento antes da FIV/ICSI estimulada. As questões de prática clínica aqui incluem indicações, tempo (onde a ART se encaixa nas opções de tratamento) e eficácia comparativa com outros tratamentos e se os resultados da IVM não estimulada com ICSI são comparáveis à FIV/ICSI estimulada.
Recomendações
- Na ausência de uma indicação absoluta para fertilização in vitro (FIV)/ injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), a FIV pode ser oferecida em mulheres com SOP e infertilidade anovulatória, se as terapias de indução da ovulação de primeira ou segunda linha falharem.
- Em mulheres com SOP anovulatórias, o uso de fertilização in vitro é eficaz e, quando a transferência eletiva de um único embrião é usada, gestações múltiplas podem ser minimizadas.
- Mulheres com SOP submetidas a tratamento de fertilização in vitro/ ICSI devem ser aconselhadas antes de iniciar o tratamento sobre o risco aumentado de síndrome de hiperestimulação ovariana e devem ser oferecidas opções para reduzir o risco.
Protocolo de hormônio liberador de gonadotrofina
Mulheres com SOP correm alto risco de síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO)com tratamento de FIV ± ICSI, o que requer cautela e leva à exploração de diferentes protocolos. Um dos métodos propostos para reduzir o risco de SHO é usar um protocolo com antagonista de GnRH (em oposição a um agonista de GnRH) para evitar o pico endógeno de LH.
Recomendações
- O uso de um protocolo de antagonista de GnRH para mulheres com SOP submetidas a FIV/ICSI é recomendado, pois permite o uso de um gatilho com agonista do GnRH, com o congelamento de todos os embriões gerados, se necessário, sem comprometer a taxa cumulativa de nascidos vivos, para reduzir de maneira significativa o risco de SHO.
- O protocolo de antagonista do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) comparado ao protocolo longo com agonista do GnRH para mulheres com SOP submetidas à fertilização in vitro/ICSI não melhora a taxa clínica de gravidez ou de nascidos vivos, mas reduz o risco de SHO.
Tipo de Gatilho
A SHO é reduzida quando o gatilho (trigger) é realizado com um análogo agonista do GnRH, que estimula a liberação endógena do FSH e LH, ao invés da administração do hCG. Melhores resultados são obtidos com a transferências de embriões pós descongelamento em ciclos posteriores ao inicial.
Recomendações
- Recomenda-se desencadear a maturação final do oócito com um agonista de GnRH e congelar todos os embriões viáveis em um ciclo de fertilização in vitro/ICSI com um protocolo de antagonista de GnRH, quando não se pretende transferir embrião fresco ou quando há um risco aumentado de SHO.
Escolha do Hormônio Folículo Estimulante
O FSH pode ser purificado da urina humana (uFSH) ou sintetizado a partir de técnicas de DNA recombinante (rFSH). Preparações urinárias têm impurezas, apresentando atividade de LH conhecida por estimular a produção de andrógenos nas células da teca e completar a maturação dos folículos. No entanto, sabe-se que menos de 1% dos receptores de LH foliculares precisam ser ocupados para provocar a esteroidogênese máxima e, portanto, é possível que o LH endógeno seja suficiente durante a estimulação ovariana controlada para promover a síntese de andrógenos e a maturação do oócito sem a necessidade de atividade extra de LH em preparações de FSH. Os benefícios clínicos de rFSH versus uFSH são tópico de debate contínuo e ambos os tipos de preparações continuam sendo comumente usados.
Recomendações
- O hormônio folículo estimulante (FSH) urinário ou recombinante pode ser usado em mulheres com SOP submetidas à (hiper)estimulação ovariana (controlada) para fertilização in vitro/ICSI, com evidências insuficientes para recomendar um tipo específico de preparação de FSH.
Hormônio Luteinizante Exógeno
O aumento da secreção de LH ou a elevada relação LH/FSH na SOP podem influenciar na fertilidade, com a inibição da maturação de oócitos, efeitos deletérios na esteroidogênese das células da granulosa e na receptividade endometrtial e potencial aumento de aborto precoce. Assim, fica a dúvida se o uso de LH exógeno promoveria melhores ou piores resultados das TRA.
Recomendações
- O tratamento com hormônio luteinizante recombinante exógeno não deve ser usado rotineiramente em combinação com FSH em mulheres com SOP submetidas a hiperestimulação ovariana controlada para fertilização in vitro/ICSI.
Das recomendações do consenso, não se deve usar de forma rotineira o uso de LH exógeno em protocolos para FIV/ICSI.
Metformina Adjuvante
Foi demonstrado que a metformina pode restaurar a ovulação e aumentar as taxas de gravidez na SOP com mecanismos que fornecem uma justificativa fisiológica para o gerenciamento da resistência à insulina na FIV e na SOP. Também foi sugerido que a metformina pode reduzir os níveis séricos de estradiol durante a estimulação ovariana e também foi levantada a hipótese de que a metformina pode reduzir a produção do fator de crescimento endotelial vascular, ambos fatores importantes envolvidos na fisiopatologia da SHO. Desta forma, é importante explorar a eficácia e a segurança da metformina como um co-tratamento em mulheres com SOP, para atingir a gravidez ou nascimento vivo e reduzir a hiperestimulação ovariana na FIV.
Recomendações
- A terapia adjuvante com metformina pode ser usada antes e/ou durante a estimulação ovariana com FSH em mulheres com SOP submetidas a tratamento de fertilização in vitro/ICSI com protocolo longo de agonista de GnRH, para reduzir o risco de desenvolver SHO e aborto espontâneo.
- Uma boa prática nos protocolos de FIV em mulheres com SOP é o uso de um protocolo com antagonista de GnRH, pois ele dá a flexibilidade de usar um agonista de GnRH como gatilho, com o congelamento de todos os embriões, visando reduzir o risco de SHO. No entanto, se estiver usando um protocolo longo de agonista de GnRH, a metformina pode ser considerada. Se estiver usando metformina, o seguinte pode ser considerado:
- Começar a metformina no início do tratamento com agonista de GnRH.
- Titular gradualmente a metformina até uma dose entre 1000 mg a 2500 mg diariamente para minimizar os efeitos colaterais.
- Interromper a terapia com metformina no momento do teste de gravidez ou menstruação, a menos que a terapia com metformina seja indicada por outros fatores.
Maturação In Vitro (MIV)
Quando a FIV é indicada na SOP, os riscos de hiperestimulação ovariana aumentam com a estimulação pelas gonadotrofinas. A MIV de oócitos evita ou minimiza a estimulação ovariana antes da recuperação do oócito, uma vez que a maturação dos oócitos ocorre após a recuperação, evitando assim o risco de SHO. A definição de um ciclo de MIV requer harmonização, pois os ciclos que empregam uma injeção de gatilho de hCG são geralmente associados a taxas de maturação de oócitos assíncronas, taxas de implantação de embriões ruins e taxas de gravidez mais baixas. Dado que a MIV é usada na prática e tem benefícios teóricos, esta questão também foi avaliada.
Recomendações
- O uso de maturação in vitro (MIV) e ICSI pode ser considerado em mulheres com SOP, como uma alternativa a um ciclo de FIV/ICSI estimulado, onde o(s) embrião é (são) congelado(s) e transferido(s) em um ciclo subsequente, reconhecendo que não há risco de SHO, mas a taxa cumulativa de nascidos vivos é menor.
- O uso de MIV e ICSI pode ser considerado antes dos ciclos de FIV/ICSI estimulados, reconhecendo tanto os benefícios quanto as limitações.
- A MIV só deve ser considerada em serviços com experiência suficiente.
- A MIV pode ser oferecida como uma opção em mulheres com SHO prévia e onde o risco de SHO grave é considerado inaceitavelmente alto, desde que haja experiência em técnicas de MIV.
- Evidências sugerem que a MIV/ICSI é menos eficaz do que a FIV/ICSI padrão em termos de gravidez clínica por paciente e taxa de nascidos vivos por paciente.
Inositol
O inositol é um suplemento nutricional que atua como um segundo mensageiro na sinalização de insulina e FSH e tem nove estereoisômeros. O mio-inositol promove a captação de glicose e também está envolvido em vias mediadas por FSH que regulam a proliferação e a maturação das células da granulosa. Foi levantada a hipótese de que a superprodução de insulina na SOP aumenta a conversão de mio-inositol em dichiroinositol, alterando as suas proporções.
Recomendações
- O inositol, em qualquer forma, sozinho ou em combinação com outras terapias, deve ser considerado uma terapia experimental em mulheres com SOP e infertilidade, com benefícios e riscos atualmente muito incertos para recomendar o uso desses agentes como terapias de fertilidade.
- Há evidências limitadas, com resultados incertos, sobre o efeito do inositol na ovulação, gravidez clínica e taxas de nascidos vivos.
- Os efeitos colaterais e a segurança do inositol não são conhecidos.
- As mulheres precisam estar cientes de que esses agentes podem ter regulação limitada, com dosagem, qualidade, consistência e combinação com outros agentes variáveis.
- Os objetivos e preferências pessoais das mulheres devem ser considerados ao discutir terapias complementares.
Agentes anti-obesidade
O excesso de peso é uma grande preocupação para muitas mulheres com SOP. Embora a mudança de estilo de vida tenha um papel fundamental no tratamento da obesidade, a eficácia e a sustentabilidade da perda de peso induzida pelo estilo de vida em pessoas com obesidade significativa são limitadas e o papel dos agentes farmacológicos antiobesidade na obtenção da perda de peso e potenciais benefícios à saúde associados é bem reconhecido na população em geral em revisões sistemáticas e diretrizes. Semaglutida, liraglutida, fentermina/topiramato, naltrexona/bupropiona e orlistate são medicamentos antiobesidade aprovados em adultos, cada um dos quais foi comparado ao placebo em RCTs. Esses medicamentos estão sendo cada vez mais usados em adultos para assistência à perda de peso. No entanto, há dados limitados disponíveis em mulheres com SOP e em mulheres em idade reprodutiva.
Recomendações
- Recomendamos o uso de agentes antiobesidade na SOP para resultados reprodutivos apenas em ambientes de pesquisa para estabelecer a eficácia e a segurança.
Bibliografia
International evidence-based guideline for the assessment and management of polycystic ovary syndrome (PCOS). https://www.monash.edu/medicine/mchri/pcos/guideline
Helena J Teede, Chau Thien Tay, Joop J E Laven, Anuja Dokras, Lisa J Moran, Terhi T Piltonen, Michael F Costello, Jacky Boivin, Leanne M Redman, Jacqueline A Boyle, Robert J Norman, Aya Mousa, and Anju E Joham, on behalf of the International PCOS Network. Recommendations From the 2023 International Evidence-based Guideline for the Assessment and Management of Polycystic Ovary Syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2023; 108(10): 2447–2469.