Autores: Aryane Moreira, Grazielle Viola, Jaqueline Leite.
A transferência embrionária é a última etapa da fertilização in vitro e consiste na inserção do(s) embrião(ões) em desenvolvimento na cavidade endometrial materna ou da cedente temporária de útero de forma atraumática e em local que maximize as chances de implantação¹.
O procedimento pode acontecer dentro do mesmo ciclo de estimulação e coleta, cerca de 3 a 7 dias após a fertilização em laboratório, com uso de embriões em fase de clivagem ou blastocisto, ou em qualquer momento posterior, utilizando embriões criopreservados².
As últimas décadas testemunharam avanços significativos no campo da reprodução humana assistida. Estudo da American Society for Reproductive Medicine (ASRM) indicou que até 2016 não havia um consenso literário sobre o procedimento e era identificada uma alta variabilidade da técnica associada a ausência de um protocolo padrão¹,³,⁴.
Apesar do procedimento técnico ser de competência médica, há a participação ativa da equipe multidisciplinar nas etapas que antecedem, sucedem e transcorrem o procedimento.
É de competência do profissional de enfermagem atuar nos períodos pré, intra e pós-operatório preparando o paciente e realizando a gestão da estrutura e dos recursos materiais e humanos necessários para execução de um procedimento seguro ⁵,⁶,⁷,⁸.
Este documento objetiva discutir e recomendar boas práticas de enfermagem frente ao procedimento de Transferência Embrionária, seguindo as etapas propostas pelo guideline ASRM e em consonância com as normas legais e éticas vigentes da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).
- Pré procedimento
1.1. Checagens gerais
1.1.1. Verificar e anotar o uso de medicamentos para preparo endometrial e outros.
1.1.2. Verificar se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) se encontra devidamente assinado e se a paciente foi devidamente esclarecida acerca do procedimento⁹.
1.1.3. Verificar se os resultados das sorologias obrigatórias estão dentro do prazo estabelecido⁹.
1.1.4. Orientar ingestão hídrica para realização da ultrassonografia (USG) abdominal. A bexiga corretamente cheia auxilia no posicionamento e visualização uterina.
- Preparação para o procedimento
2.1. Preparação do profissional
- Paramentação adequada e higienização das mãos com sanitizante⁴.
2.2. Preparação de sala e insumos
2.2.1. Anotar em sala operatória o nome completo da paciente, do acompanhante (quando houver), número do prontuário, procedimento a ser realizado e nome do médico responsável⁵.
2.2.2. Montagem de mesa cirúrgica e disponibilização de insumos: luvas de procedimento e estéreis, cheron, cúpula com soro fisiológico, gaze e swab, espéculo e meio de cultura. Etiquetas e indicadores químicos dos pacotes devem ser anexados ao prontuário da paciente.
2.3. Preparação da paciente
2.3.1. Admissão em sala cirúrgica conforme Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE)⁵.
2.3.2. Conferência dos dados e pulseiras de identificação (nome completo, número do prontuário, nome de médico e data de nascimento), riscos e alergias conforme orientações do Protocolo Cirurgia Segura⁷.
2.3.3. Encaminhar paciente ao vestiário para paramentação. Adornos e vestimentas devem ser retirados. Orientar lavagem de mãos e utilização de avental descartável, gorro e propé⁴,⁵.
2.3.4. Acomodar paciente em mesa cirúrgica.
2.4. Preparação do acompanhante (se aplicável)
2.4.1. Conferência da identificação do acompanhante.
2.4.2. Encaminhar acompanhante ao vestiário para paramentação. Adornos devem ser retirados e equipamentos eletrônicos devem ser desligados. Orientar lavagem de mãos e utilização de avental descartável por cima da vestimenta, gorro e propé⁵.
2.4.3. Posicionar acompanhante ao lado da paciente.
2.5. Checagens para início
2.5.1. Realizar USG para verificação do volume urinário. Este é um exame não invasivo que possibilita uma medida confiável, indolor e de boa reprodutividade, promovendo com precisão e precocidade a mensuração do volume urinário, evitando distensão excessiva e desconforto no momento da transferência embrionária.
A ultrassonografia realizada por enfermeiro é possível em dois casos: para cálculo do volume urinário e ultrassonografia obstétrica este último somente por especialista em enfermagem obstétrica¹⁰,¹¹,¹².
2.5.2. Realizar “Time out” com equipe médica e laboratório⁴.
- Durante o procedimento
3.1. Ambientação para início do procedimento
3.1.1. Acomodar paciente em posição litotômica
3.1.2. Reduzir a luminosidade do ambiente. Som ambiente e iluminação baixa acessória podem ser utilizadas como recurso opcional para conforto da paciente.
3.2. USG pélvico durante o procedimento
3.2.1. Auxiliar o clínico ou ultrassonografista durante a realização do exame de imagem. O uso do recurso como estratégia para monitorar a condução do cateter durante todo procedimento foi recomendado pelo guideline ASRM como evidência grau A para aumento das taxas de sucesso. Além disso, foi apontado como um recurso para aumento da segurança e do conforto de médico e paciente¹,³,⁴.
3.3. Cateter de transferência
3.3.1. A seleção do cateter de transferência será baseada em preferência clínica do profissional médico responsável pelo procedimento, mediante disponibilidade no serviço. O guideline ASRM recomenda preferencialmente a utilização de cateteres maleáveis sendo essa opção, uma evidência grau A para aumento das taxas de sucesso do procedimento³,⁴.
3.3.2. Após posicionamento do cateter externo/camisa/guia em canal cervical, solicitar ao laboratório carregamento do cateter com os embriões checando em voz alta, novamente, identificação da paciente e identificação do embrião⁴.
3.3.3. A condução do cateter carregado com embrião e oferta ao médico pode ser feita pelo profissional da enfermagem ou embriologia, conforme protocolo institucional. Caso o enfermeiro faça essa condução, ele também será responsável pela condução de retorno do cateter ao laboratório para checagem de retenção⁴.
- Após o procedimento
4.1. Condução da paciente
4.1.1. Auxiliar a paciente a descer de mesa cirúrgica e realizar a condução para repouso, se aplicável. Conforme guideline ASRM, a não realização de repouso de rotina é considerada uma evidência grau A para aumento das taxas de sucesso do procedimento, porém culturalmente e por conforto da paciente, alguns serviços orientam período variável de repouso em ambiente privativo³,⁴.
4.1.2. Orientar esvaziamento vesical espontâneo.
4.2. Condução do acompanhante
4.2.1. Conduzir acompanhante ao vestiário para retirada da paramentação e aguardo em sala privativa/leito ou recepção, dependendo das acomodações e protocolo de cada serviço.
4.3. Check out de sala cirúrgica
4.3.1. Conferência dos instrumentais, montagem da caixa cirúrgica e encaminhamento para expurgo. Solicitação de limpeza de sala⁵.
4.3.2. Anotação e evolução de enfermagem conforme SAE⁸.
4.4. Orientações gerais
4.4.1. Realizar orientação verbal e por escrito referente: repouso relativo, uso de medicamentos conforme prescrição médica e período para coleta de βhCG.
4.4.2. Esclarecer dúvidas, caso haja.
A tabela a seguir resume as responsabilidades da equipe de enfermagem a cada etapa determinada pelo guideline da ASRM para transferência embrionária, proporcionando uma visão clara e estruturada do processo⁴.
Tabela 1 – Responsabilidades da equipe de enfermagem a cada etapa do procedimento de transferência embrionária.
ETAPA | PROTOCOLO PADRÃO ASRM | RECOMENDAÇÕES PARA EQUIPE DE ENFERMAGEM |
1 | Preparação para o procedimento revisando anotações para nortear técnica e grau de dificuldade |
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2 | Preparação da paciente para o procedimento.
O uso de analgésico ou outras técnicas podem ser necessárias para conforto da paciente, mas não aumentam as taxas de gravidez |
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3 | Time-out: Identificação e conferência da paciente e do embrião |
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4 | Uso de USG abdominal para acesso a cavidade endometrial e outras estruturas pélvicas e para guiar o procedimento |
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5 | Preparação do médico para o procedimento deve incluir alguma forma de lavagem das mãos e uso de luvas estéreis látex-free |
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6 | Posicionamento do espéculo. Flush ou limpeza da cérvice/vagina com swab ou gaze utilizando meio de cultura ou solução salina |
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7 | Remoção do muco do canal endocervical | |
8 | Preparação do cateter de transferência e navegação da cérvice utilizando técnica de escolha |
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9 | Posicionamento da ponta do cateter entre o terço médio e superior da cavidade endometrial, até 1 cm do fundo uterino |
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10 | Expulsão do embrião e retirada imediata do cateter |
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11 | Checar o cateter para embrião retido, se presente, recarregar novo cateter e retransferir embrião imediatamente |
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12 | A paciente levanta-se da mesa de transferência e sai do quarto imediatamente, sem que rotineiramente seja fornecido qualquer período de repouso no leito |
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Referências Bibliográficas
- Toth TL, Lee MS, Bendikson KA, Reindollar RH. Embryo transfer techniques: an ASRM survey of current SART practices. Fertil Steril 2017;107:1003–11, Level II-2.
- Medicina reprodutiva SBRH/Editores/organizadores João Pedro Junqueira Caetano, Ricardo Mello Marinho, Alvaro Petracco, Joaquim Roberto Costa Lopes e Rui Alberto Ferriani. – São Paulo: Segmento Farma: SBRH, 2018.
- Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Performing the embryo transfer: a guideline. Fertil Steril 2017;107:882–96.
- Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. ASRM standard embryo transfer protocol template: a committee opinion 2017;107:897–901.
- Freitas NQ et al. O papel do enfermeiro no centro cirúrgico na perspectiva de acadêmicas de enfermagem. Revista Contexto & Saúde, [S. l.], v. 11, n. 20, p. 1133–1136, 2013.
- Plano de ação global para a segurança do paciente 2021-2030: Em busca da eliminação dos danos evitáveis nos cuidados de saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2021. Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.
- Manual de Implementação Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica da OMS (https://www.who.int/docs/default-source/patient-safety/9789241598590-por.pdf)
- Guia de recomendações para registro de enfermagem no prontuário do paciente e outros documentos de enfermagem https://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2016/08/Guia-de-Recomenda%C3%A7%C3%B5es-CTLN-Vers%C3%A3o-Web.pdf
- Resolução de Diretoria Colegiada – Nº 771, 26 de dezembro de 2022. Acesso: https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/5141698/RDC_771_2022_.pdf
- Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN n. 679, de 20 de Agosto de 2021. Aprova a normatização da realização de Ultrassonografia à beira do leito e no ambiente pré-hospitalar por Enfermeiro [Internet]. Rio de Janeiro. 2021. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2021/08/Resolucao-679-2021.pdf
- Conselho Regional de Enfermagem São Paulo (BR). Parecer COREN-SP 029/2014 – CT. PRCI no 1530/2014. Uso do ultrassom pelo enfermeiro para cálculo de volume em retenção urinária. São Paulo; 2014. Disponível em: https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/ parecer_coren_sp_2014_029.pdf
- Conselho Regional de Enfermagem São Paulo (BR). Resolução 627/2020, de 06 de março de 2020. Normatiza a realização de Ultrassonografia Obstétrica por Enfermeiro Obstétrico. Brasília: Cofen; 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-627-2020_77638.htmlm.