Autores: Aryane Moreira, Grazielle Viola e Juliana Assi.
Medicações em reprodução assistida
A reprodução assistida envolve um conjunto de técnicas médicas e laboratoriais que têm como objetivo auxiliar casais com dificuldades em conceber de forma natural. Essas práticas têm se tornado cada vez mais comuns devido a fatores como o adiamento da maternidade, problemas de infertilidade e avanços científicos que possibilitam o aumento das chances de sucesso reprodutivo (1).
O Brasil está em primeiro lugar entre os países latino-americanos que mais realizam fertilização in vitro (FIV), inseminação artificial e transferência de embriões, gerando cerca de 83 mil bebês, em 25 anos. Essas práticas são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que publica periodicamente resoluções e guidelines para orientar os profissionais da área e garantir que os tratamentos sigam padrões éticos e seguros (2). A terapia medicamentosa é determinante para o sucesso desses tratamentos, sendo uma ferramenta vital na prática clínica, permitindo intervenções eficazes em um amplo espectro de doenças e sendo indispensável para a promoção da saúde e bem-estar (3).
O papel da enfermagem nesse contexto é essencial, especialmente no que tange à orientação e acompanhamento rigoroso das pacientes durante o uso de medicamentos. Profissionais de enfermagem assumem uma função de vigilância ativa, monitorando reações adversas e ajustando orientações conforme necessário, em colaboração com a equipe multidisciplinar. Além disso, sua atuação é fundamental para assegurar que os pacientes sigam corretamente as prescrições, otimizando as chances de sucesso dos procedimentos reprodutivos (4).
O objetivo deste documento é discutir e recomendar boas práticas de enfermagem referente a orientação e vigilância da terapia medicamentosa prescrita, em consonância com as normas legais e éticas vigentes da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).
- Prescrição medicamentosa
- Identificação
Checar se a prescrição é legível e se contêm todos os itens obrigatórios para identificação das partes. A identificação do paciente deve conter, no mínimo, nome completo, endereço e data de nascimento. A identificação do prescritor deve conter nome completo, número de registro do conselho profissional e assinatura. A identificação da instituição deve contemplar nome, endereço e telefone (5).
- Fármaco, dose, via e horário de administração
Verificação do medicamento:
- Checar se o nome do fármaco em mãos corresponde ao que está prescrito, confirmando com a prescrição antes da administração.
Conferência da dose:
- Verificar atentamente a dose prescrita e comparar com o rótulo do medicamento.
- Assegurar que a dose preparada esteja correta antes da administração.
Identificação da via de administração:
- Confirmar a via de administração prescrita e garantir que será realizada de acordo com as orientações.
Preparação adequada do medicamento:
- Assegurar que a preparação do medicamento permita que ele seja administrado sempre no horário correto, garantindo uma resposta terapêutica eficaz.
Orientação ao paciente:
- Nos casos em que a paciente realiza a aplicação do medicamento, fornecer orientação clara e adequada sobre o fármaco, dose, via e horário de administração.
- Esta orientação é essencial para evitar erros e garantir que o tratamento ocorra conforme planejado, sem prejuízos (6).
- Transporte e armazenamento de medicamentos
Observar informações e orientar paciente conforme descrição em bula referente ao transporte e acondicionamento de cada fármaco prescrito.
Medicamentos termoláveis devem, preferencialmente, ser transportados em isopor ou recipiente térmico e acondicionados em geladeira comum sob temperatura de conservação indicada em bula e devem ser retirados apenas para administração.
Observar, anotar e reportar a exposição do medicamento a temperaturas diferentes do recomendado. Caso a informação referente a estabilidade do produto em temperaturas diversas não estejam disponíveis em bula, contatar o fabricante através do serviço de atendimento ao consumir e endereçar o questionamento (7).
- Manipulação de medicamentos e administração
- Higienização das mãos (8)
Realizar a higienização das mãos antes e após cada procedimento; orientar o paciente quanto as etapas da técnica (Imagem 1).
Imagem 1 – Técnica de higienização simples das mãos | |||
1. Abrir a torneira e molhar as mãos, evitando encostar-se à pia | 2. Aplicar na palma da mão quantidade suficiente de sabonete líquido para cobrir toda a superfície das mãos | 3. Ensaboar as palmas das mãos, friccionando-as entre si | 4. Esfregar a palma da mão direita contra o dorso da mão esquerda, entrelaçando os dedos, e vice-versa |
5. Entrelaçar os dedos e friccionar os espaços interdigitais | 6. Esfregar o dorso dos dedos de uma mão com a palma da mão oposta, segurando os dedos, com movimento de vai-e-vem, e vice-versa | 7. Esfregar o polegar direito com o auxílio da palma da mão esquerda, realizando movimento circular, e vice-versa | 8. Friccionar as polpas digitais e as unhas da mão esquerda contra a palma da mão direita, fechada em concha, fazendo movimento circular, e vice-versa. |
9. Enxaguar as mãos, retirando os resíduos de sabonete. Evitar contato direto das mãos ensaboadas com a torneira | 10. Secar as mãos com papel toalha descartável, iniciando pelas mãos e seguindo pelos punhos. No caso de torneiras com contato manual para fechamento, sempre utilizar papel toalha | ||
Adaptado de: Segurança do Paciente em Serviços de Saúde: Higienização das Mãos. ANVISA, 2009. |
- Insumos necessários
Revisar a lista de insumos, garantindo que todos os itens essenciais estejam descritos corretamente e em quantidade suficiente para atender às demandas do procedimento ou tarefa.
Verificar data de validade, condições de armazenamento e integridade dos insumos, a fim de garantir a qualidade e segurança.
Realizar revisão final, garantindo que tudo esteja devidamente organizado e pronto para uso imediato, evitando interrupções e garantindo a eficiência do processo (9).
- Diluição e aspiração de medicação
Observar informações e orientar paciente conforme passo a passo de reconstituição/diluição descrito em bula.
Orientar manuseio e abertura de ampolas e frasco-ampolas, conexão de seringas e agulhas, identificação do frasco contendo data e hora da reconstituição.
- Descarte de materiais
Materiais e insumos hospitalares possuem potencial contaminante e devem ser descartados conforme normas da RDC nº222 de 2018, ANVISA.
Materiais perfurocortantes (grupo E) requerem cuidado adicional durante manuseio. Orientar paciente a realizar o descarte imediato após uso e separado dos demais insumos, podendo este ser armazenado, temporariamente, em reservatório rígido identificado (ex. garrafa pet, caixa plástica) e encaminhado, assim que possível, para o correto descarte nas clínicas de reprodução (10).
- Sinais e sintomas após uso de fármacos
Para o tratamento, são utilizados fármacos à base de hormônios, que trazem como respostas, sinais, sintomas e efeitos colaterais relacionados a sua utilização, são alguns deles: (11-13).
- Distensão Abdominal e Inchaço: o aumento do número de folículos pode causar uma sensação de inchaço e desconforto abdominal devido ao crescimento dos ovários, sendo esse um sintoma comum e normalmente autolimitado.
- Sensibilidade Mamária: o aumento dos níveis hormonais, especialmente de estrogênio, pode causar dor ou sensibilidade nas mamas.
- Mudanças de Humor e Irritabilidade: os medicamentos podem afetar o humor, causando irritabilidade, ansiedade ou alterações emocionais, devido às flutuações hormonais.
- Síndrome de Hiperestimulação Ovariana (SHO): considerado um dos efeitos colaterais mais sérios, pode ocorrer em resposta ao uso de gonadotrofinas. Os sinais e sintomas incluem: aumento significativo dos ovários, dor abdominal intensa, náuseas, vômitos e diarreia, acúmulo de líquidos no abdômen (ascite) ou no tórax, em casos graves, pode ocorrer trombose venosa, insuficiência renal ou respiratória.
- Cefaleia: pode ser um efeito comum, especialmente com o uso de agonistas e antagonistas de GnRH, devido às flutuações hormonais induzidas.
- Tontura e Fadiga: alguns pacientes podem relatar cansaço ou tonturas, geralmente leves e transitórias.
- Ganho de Peso Temporário: Pode ocorrer retenção de líquidos, levando a um ganho de peso transitório.
- Reações Alérgicas: embora raras, podem ocorrer reações alérgicas aos medicamentos injetáveis, como vermelhidão, coceira ou inchaço no local da injeção.
Para o monitoramento e cuidado, são realizados ultrassonografias seriadas e exames de sangue ao longo do tratamento para ajustar a dosagem dos medicamentos, minimizando os riscos. Além disso, o acompanhamento clínico para observar sinais de complicações, como SHO, é essencial para ajustar o tratamento e garantir a segurança do paciente.
- Farmacovigilância
Supervisionar terapia medicamentosa e orientar paciente a reportar qualquer evento ou queixa durante tratamento medicamentoso.
Eventos adversos, queixas técnicas, interações medicamentosas e uso do medicamento de forma distinta (indicação e/ou posologia) descrito em bula devem ser reportados, preferencialmente dentro de 24h do conhecimento da ocorrência, para o serviço de atendimento ao consumidor, suporte ao paciente ou departamento de farmacovigilância do fabricante responsável pelo fármaco (14).
Conclusão
Os medicamentos utilizados para a indução e crescimento folicular são geralmente bem tolerados, mas os pacientes podem experimentar uma série de efeitos colaterais, que vão desde desconfortos leves, como distensão abdominal, até complicações mais graves, como a síndrome de hiperestimulação ovariana. O monitoramento cuidadoso por parte da equipe médica é essencial para garantir que os efeitos esperados sejam alcançados de forma segura, minimizando os riscos associados ao tratamento.
Referências
- World Health Organization. Infertility. 14 set. 2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infertility. Acesso em: 26 set. 2024.
- REDLARA. Brasil lidera ranking em reprodução assistida. Blog REDLARA, 2022. Disponível em: https://redlara.com/blog_detalhes.asp?USIM5=664. Acesso em: 25 set. 2024.
- Rang, H. P. et al. Farmacologia de Rang & Dale. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
- Sobral D, Silva R, Costa L, Almeida P. A atuação da enfermagem na reprodução assistida: desafios e perspectivas. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):881-8.
- Protocolo de segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos. Ministério da Saúde, ANVISA. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/dahu/pnsp/protocolos-basicos/protocolo-seguranca-na-prescricao-uso-e-adminitracao-de-medicamentos.pdf
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Medicamentos: 09 passos para a segurança na administração. Brasília, DF: ANVISA, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/cartazes/cartaz_12-ggtes_web.pdf. Acesso em: 25 set. 2024.
- Cambiaghi, AS e col. Manual prático de reprodução assistida para enfermagem: os cuidados na pesquisa e tratamento da infertilidade: direto ao assunto. São Paulo: LaVidapress Editora, 2016
- Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do Paciente em Serviços de Saúde: Higienização das Mãos / Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, 2009. 105p.
- Ministério Da Saúde (Brasil). Uso seguro de medicamentos: guia de preparo, administração, monitoramento. Handout – guia de bolso. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
- Regulamento técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. RDC Nº 222, 28 de março de 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2018/rdc0222_28_03_2018.pdf
- Gonçalves NT, Martins F, Lima A. Farmacologia da estimulação ovariana controlada: Princípios e aspectos clínicos. Rev Bras Reprod Assist. 2020;24(1):34-44.
- Marques LM, Castro GA. Principais efeitos colaterais dos fármacos usados na indução ovulatória. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018;40(3):101-6.
- Oliveira JB, Barbieri M. Síndrome de hiperestimulação ovariana: Prevenção, diagnóstico e tratamento. Femina. 2017;45(4):249-54
- Boas práticas de farmacovigilância para detentores de registro de medicamentos de uso humano. RDC Nº 406, 22 de julho de 2020. Disponível em: https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/4858873/RDC_406_2020_.pdf