Grazielle Viola1,2, Mariane Félix1,3
¹ Comitê de Enfermagem SBRH
2 Ferring Pharmaceuticals
3 Nilo Frantz São Paulo
Mensagens-chave
- A infertilidade afeta milhões de casais e indivíduos, globalmente. Dados apontam que cerca de 1 em cada 6 pessoas vivenciam a infertilidade em algum momento da vida reprodutiva;
- Diversas causas afetam a fertilidade, e os fatores pode estar associado a causas masculinas, femininas, do casal ou sem um diagnóstico aparente;
- Muitos casais e indivíduos recorrem à técnicas de reprodução humana assistida (RHA) para construir suas famílias e o útero de substituição aparece como uma opção efetiva para mulheres que não podem gestar por razões médicas ou indivíduos que tenham limitação do gênero;
- Resolução nº 2320 de 2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) dispõe sobre os requisitos necessários para realização da gestação por substituição;
- Resolução nº 328 de 2024 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) apresenta os requisitos regionais para realização da gestação por substituição;
- Os requisitos para realização do procedimento podem variar de acordo com resoluções regionais. A ausência de padronização pode impactar a prática médica e o bem-estar das partes envolvidas.
Introdução
Infertilidade é definida como a incapacidade de engravidar após 12 meses de relação sexual regular desprotegida em mulheres com idade menor de 35 anos, ou após 6 meses em mulheres com idade maior ou igual a 35 anos1.
Essa condição é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sugerindo que as pessoas que enfrentam a infertilidade devam receber cuidados médicos especializados2.
Dados indicam que, globalmente, cerca de 8-12% dos casais em idade reprodutiva experimentam dificuldades para engravidar, são 48,5 milhões de casais e 186 milhões de indivíduos que convivem com a infertilidade2-4.
Muitos casais e indivíduos recorrem às técnicas de reprodução assistida como um auxiliar na constituição de suas famílias. As causas para essa busca são diversas e, entre elas, a impossibilidade de gestação, seja por razões médicas devido a anomalias uterinas e malformações congênitas, por exemplo, ou por limitação de gênero como ocorre em casais homoafetivos do sexo masculino e na parentalidade solo masculina5.
No Brasil, a gestação de substituição, cessão temporária do útero ou barriga solidária é popularmente conhecida como “barriga de aluguel”. O procedimento é permitido e orientado pela Resolução nº 2320 de 2022 do CFM, a qual determina as normas éticas para esta e outras técnicas de reprodução humana assistida6.
Dessa forma, este artigo tem como objetivo revisar as atuais recomendações para realização do procedimento em âmbito federal, conforme apresentado pela Resolução CFM 2320/2022 e apresentar a recente recomendação publicada pelo CREMESP através da Resolução nº 328 de 20247.
Segue abaixo, pontos chaves das resoluções:
- Resolução CFM 2320/2022
1.1. Cabe à cedente do útero:
- Ter ao menos 1 filho vivo;
- Pertencer à família de um dos cônjuges com parentesco consanguíneo até quarto grau sendo: 1º grau – mães e filhas, 2º grau – avós e irmãs, 3º grau – tias ou sobrinhas e 4º grau – primas;
- Solicitar autorização excepcional do CRM no estado em que o procedimento for realizado, para seguimento com cedente sem grau de parentesco.
1.2. Cabe à Clínica os seguintes documentos e anotações em prontuários, assinados pelos pacientes e cedente:
- O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado, deve contemplar: aspectos biopsicossociais e riscos que envolvem o ciclo gravídico-puerperal e os aspectos legais da filiação;
- Relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental dos envolvidos;
- Termo de compromisso entre os envolvidos onde estabeleça: filiação da criança, a obrigatoriedade com o registro civil (ser providenciado durante a gravidez), responsabilização do acompanhamento médico da cedente, inclusive multidisciplinarmente, se necessário, até o puerpério;
- Aprovação do cônjuge se a cedente for casada ou estiver em união estável.
1.3. Cabe à Clínica seguir também, a normatização para todas as pacientes que passam pelo processo de RHA:
- Idade máxima para gestar de até 50 anos (exceções devem ser aceitas fundamentadas em avaliação positiva de saúde e esclarecimento dos riscos envolvidos);
- Número de embriões transferidos (cedente ou gravidez autóloga) respeitando a orientação: pacientes até 37 anos – até 2 embriões e acima de 37 anos – até 3 embriões. No caso de embriões euploides (mediante análise genética) até 2 embriões podem ser transferidos, independente da idade da paciente. Se a paciente for receptora de óvulos doados, considerar idade da doadora no momento da coleta;
- Resolução CREMESP 382/2024
O CRM no estado de SP, ampara esta resolução no item VII da Resolução no 2320/2022 do CFM onde adiciona ações/envio de documentações obrigatórias.
No caso da cedente não possuir grau de parentesco:
2.1 Cabe ao médico executante recorrer ao pedido de autorização, contendo:
- Qualificação completa dos pacientes e cedente – endereço residencial completo, telefone para contato e email;
- Documentos pessoais dos pacientes e cedente com cópias autenticadas em cartório;
- Descrição detalhada das condições clínicas que impeça ou contraindique a gestação;
- Descrição das condições clínicas e obstétricas da cedente ressaltando: ter ao menos 1 filho vivo e informar se já houve cessão em outro protocolo;
- Descrição escrita e detalhada do médico assistente sobre: aspectos médicos envolvendo a aplicação das técnicas de reprodução assistida com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, impossibilidade de interrupção da gravidez, não possuindo caráter lucrativo ou comercial e nem mesmo ressarcimento, com a ciência de todos os envolvidos;
- Relatório médico de saúde física e mental emitido e assinado pelo médico com registro de qualificação de especialista (RQE) da área;
- Todos os documentos exigidos na Resolução CFM 2320/2022 anexados com firmas reconhecidas em cartório (exceto os que possuírem assinatura digital);
- Deve-se apresentar documentação comprobatória de que, ao menos um dos pacientes tenha nacionalidade brasileira ou domicílio no Brasil. Sendo este um requisito obrigatório para a continuidade e autorização;
- Deve-se transferir apenas 1 embrião por ciclo;
- Após o deferimento do CREMESP, deverá informar o resultado do procedimento em até doze meses, a iniciar contagem na realização da transferência do embrião
2.2. A Câmara de Reprodução Humana e Técnicas de Reprodução Assistida:
- Poderá proceder investigações para obtenção de confirmações necessárias, através do meio que julgar pertinente, inclusive solicitar documentações relacionadas ao caso e solicitar fiscalizações;
- No caso de multiplicidade de protocolos envolvendo a mesma cedente temporária de útero, serão adotadas medidas cabíveis pelo Conselho.
Conclusão
A cessão temporária de útero aparece como uma possibilidade para que indivíduos e casais com limitações para gestação autóloga possam construir suas famílias.
O procedimento é regulado por normas do CFM, em vigência de consanguinidade e, na ausência de consanguinidade comprovada, as autorizações excepcionais devem ser endereçadas aos conselhos regionais de medicina, os quais ficam responsáveis pela deliberação e emissão do parecer.
Os conselhos regionais possuem autonomia para definir critérios e a documentação necessária para realização do procedimento, o que por vezes podem conflitar com os critérios estabelecidos na norma federal.
Mesmo que as essas orientações visem assegurar integridade físico-psico-social dos envolvidos no processo de RHA que necessitam de útero de substituição, bem como a futura prole constituída, essa regionalização de diretrizes e ausência de padronização podem impactar a prática médica e/ou burocratizar o processo, impossibilitando a realização do mesmos, em alguns casos ou mesmo nortar a escolha do casal/indivíduo por qual Estado iniciar o tratamento.
A literatura sobre o tema ainda é reduzida, reforçando a necessidade do diálogo mais profundo entre profissionais de saúde, sociedade e governos.
Referências
1 – Melanie H Jacobson, Helen B Chin, Ann C Mertens, Jessica B Spencer, Amy Fothergill, Penelope P Howards, “Research on Infertility: Definition Makes a Difference” Revisited, American Journal of Epidemiology, Volume 187, Issue 2, February 2018, Pages 337–346, https://doi.org/10.1093/aje/kwx240
2 – World Health Organization, 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infertility;
3 – Vander Borght M, Wyns C. Fertility and infertility: Definition and epidemiology. Clin Biochem. 2018 Dec;62:2-10. doi: 10.1016/j.clinbiochem.2018.03.012. Epub 2018 Mar 16. PMID: 29555319.
4 – Mascarenhas MN, Flaxman SR, Boerma T, Vanderpoel S, Stevens GA. National, regional, and global trends in infertility prevalence since 1990: a systematic analysis of 277 health surveys. PLoS Med. 2012;9(12):e1001356. doi: 10.1371/journal.pmed.1001356. Epub 2012 Dec 18. PMID: 23271957; PMCID: PMC3525527.
5 – Klock SC, Lindheim SR. Gestational surrogacy: medical, psychosocial, and legal considerations. Fertil Steril. 2020 May;113(5):889-891. doi: 10.1016/j.fertnstert.2020.03.016. Epub 2020 Apr 17. PMID: 32312561.
6 – Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2320 de 2022. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2022/2320_2022.pdf
7 – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Resolução nº 382 de 2024. Disponível em: https://www.cremesp.org.br/legislação