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Comitê: Contracepção

Anticoncepção de Emergência

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Ida Peréa Monteiro 1

Edson Santos Ferreira Filho 2

Carolina Sales Vieira 3

 

1 Professora adjunta do Centro Universitário São Lucas, Porto Velho – RO

2 Disciplina de Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Email: edson.f@fm.usp.br 

3 Professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. 

 

A anticoncepção de emergência (AE) é o uso de um método para prevenir gravidez após uma relação sexual desprotegida, seja por agressão sexual ou coerção reprodutiva, falta de uso ou esquecimento de contraceptivo regular, ou ainda acidente contraceptivo, como um rompimento do preservativo. Não deve ser confundida com medicamento abortivo, que é o uso de uma medicação para interromper uma gravidez já estabelecida (1).

As opções atuais de AE disponíveis incluem o método de Yuzpe [Etinilestradiol (EE) 0,2 mg + levonorgestrel (LNG) 1 mg, dividido em duas doses iguais, a cada 12 horas, ou administradas em dose única. Utilizando-se das medicações disponíveis na atenção básica, podem ser oferecidos quatro comprimidos de 30 μg de EE + 150 μg de LNG de 12/12 h por 24h ou a dose total em dose única], o levonorgestrel (LNG) oral (0,75 mg a cada 12 horas por 24 horas ou 1,5 mg em dose única), o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre e o DIU de LNG 52 mg (ainda com poucos estudos e não reconhecido como contracepção de emergência por muitas sociedades e organizações). Até o momento, o acetato de ulipristal, administrado via oral, não está disponível no Brasil (1). Estas opções estão na lista de medicamentos essenciais para a saúde reprodutiva da Organização Mundial de Saúde (OMS) (2).

Embora menos eficaz (3), o método de Yuzpe pode ser oferecido quando outras opções não estão disponíveis. Está associado a maior intolerância gastrointestinal, incluindo náuseas e vômitos (4), o que pode ser um limitante do método, além de reduzir a sua eficácia. Por este motivo, tem sido menos utilizado, ficando restrito aos casos em que não há acesso a outros métodos. Ademais, a única combinação estudada é a pílula com etinilestradiol e levonorgestrel; assim, não se sabe se outras formulações seriam eficazes e qual a dose necessária.

O levonorgestrel pode inibir ou retardar a ovulação em 96% dos ciclos se for administrado na presença de um folículo ovariano medindo de 12 mm a 17 mm de diâmetro, antes do início do pico de LH, ou seja, deve ser administrado o mais rápido possível após a relação sexual, de preferência dentro de 72 horas após a relação sexual desprotegida, mas pode ser administrado até 120 horas após a relação sexual desprotegida (5). É importante ressaltar que, quanto mais precoce seja a administração, maior a eficácia da anticoncepção de emergência. Por este motivo, a nomenclatura “pílula do dia seguinte” deve ser desencorajada, visto que pode ser utilizada no mesmo dia ou até cinco dias após a relação sexual desprotegida. 

Os dados sugerem que o levonorgestrel se torna menos eficaz para mulheres com índice de massa corporal (IMC)  ≥ 25 kg/m², enquanto o acetato de ulipristal (AUP) se torna menos eficaz para mulheres com IMC 30 kg/m² (6), mas isto não deve ser impeditivo quando não for possível inserir o uso do DIU de cobre nestas condições.

As pílulas anticoncepcionais de emergência são seguras para mulheres de todas as idades, e não há contraindicações médicas para o seu uso (7). Nos Estados Unidos, a pílula de LNG está disponível para compra, sem prescrição médica e sem restrições de idade (8). 

No Brasil, o LNG oral está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção básica, sem necessidade de receita médica (9). A disponibilidade da AE no SUS é uma medida que pode reduzir gestações não planejadas. Entretanto, a dispensação continua sendo uma prática não sistematizada, o que causa uma barreira para o acesso, seja por desconhecimento do método (10) ou por preconceito dos profissionais a respeito do comportamento das pessoas que utilizam este método (11).

Existem evidências consistentes de que o aumento do acesso à AE não afeta o método contraceptivo usado, nem a frequência de relações sexuais desprotegidas entre adolescentes (12). Desta forma, é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para proporcionar educação e acesso a métodos contraceptivos mais eficazes (13).

A par das evidências, deve-se considerar a oferta de AE durante as consultas de rotina e preventivas, como prescrição antecipada ou, preferencialmente, medicamentos para levar para casa, para uso em tempo hábil, se necessário (6,14).

A AE tem sido um método cada vez mais utilizado (14). Contudo, a maioria das mulheres brasileiras que referem usar o método informam obtê-lo por aquisição direta nas farmácias comerciais (78%), mesmo estando disponível no SUS (15).

Mitos comumente difundidos sobre a AE precisam ser esclarecidos. Não há aumento do risco de aborto espontâneo, anormalidade fetal ou problemas de desenvolvimento infantil em gestações que ocorrem após exposição ao levonorgestrel oral. Da mesma forma, a utilização repetida de levonorgestrel não afeta a fertilidade futura, nem reduz a eficácia deste método (16).

Qualquer método contraceptivo pode ser iniciado após o uso da pílula anticoncepcional de emergência. A paciente deve usar um método de barreira ou abster-se de relações sexuais por sete dias após o uso da pílula anticoncepcional de emergência e, caso não menstrue dentro de três semanas, deverá realizar um teste de gravidez (17).

O DIU de cobre é mais eficaz do que os métodos orais como anticoncepção de emergência (18,19), sua eficácia para AE não é afetada pelo peso corporal, com a vantagem adicional de poder permanecer por até 10 a 12 anos, proporcionando anticoncepção eficaz, custo-efetiva e conveniente de longa duração (20). Estudo prospectivo mostra que mulheres que escolheram o DIU para AE tiveram menos gravidezes no ano seguinte do que aquelas que escolheram o LNG via oral (21). Entretanto, este conhecimento ainda é baixo tanto entre pessoas usuárias de AE como entre profissionais de saúde (17,22), o que pode ser uma barreira de acesso, além de requerer um profissional treinado para a inserção do DIU. 

As contraindicações para uso de DIU de cobre como anticoncepção de emergência são as mesmas do uso habitual, respeitando os Critérios Médicos de Elegibilidade da OMS (7); por exemplo, doença inflamatória pélvica (DIP) atual, sangramento uterino inexplicado, câncer de corpo ou de colo de útero ou condições que deformem a cavidade endometrial (malformações müllerianas, miomas submucosos e pólipos endometriais). Após violência sexual, o uso do DIU de cobre deve ser ponderado com mais cautela, pois a manipulação pélvica pode ser mais um evento traumático; além disso, é um contexto em que há maior risco de contrair uma infecção sexualmente transmissível (IST) (23). Outra contraindicação é a gestação atual, o que aventa a pergunta: “é necessário realizar teste de gravidez antes da inserção de DIU como AE?”. Neste caso, é importante lembrarmos que o teste de gravidez só terá validade na interpretação clínica quando houver atraso menstrual ou pelo menos 14 dias de uma relação desprotegida. Um DIU de cobre pode ser inserido dentro de 12 dias após o início do sangramento menstrual; se mais de 12 dias desde o início do sangramento menstrual, o DIU de cobre poderá ser inserido se houver razoável certeza de que ela não está grávida (24).

O uso do DIU de cobre como AE é recomendado pela OMS (23,25), pelo Consenso Canadense de Anticoncepção (26), pelo Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras (ACOG) (27) e pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA) (28).

Estudos recentes mostram que o DIU-LNG 52 mg é não inferior ao DIU de cobre como anticoncepção de emergência. Ensaio clínico randomizado com 711 participantes nos EUA mostraram apenas uma gestação em mulheres com relação sexual desprotegida que receberam o DIU hormonal como AE e nenhuma entre as que receberam DIU com cobre (29,30). Estes achados justificaram a inclusão do DIU-LNG 52 mg como AE nas recomendações clínicas da Society of Family Planning (1), ainda que alguns autores façam ressalvas sobre essa possibilidade, pois o risco inicial de gestação da amostra é incerto, além de possível viés de seleção devido à inscrição de somente 7% das pessoas convidadas a participar do estudo e informações insuficientes sobre o mecanismo de ação (31). Por isto, o CDC e o Reino Unido não recomendam o DIU-LNG como contraceptivo de emergência (28,32). As contraindicações são as mesmas dos critérios médicos de elegibilidade da OMS, ou seja, além das previamente citadas para o DIU de cobre, pessoas com antecedente pessoal de câncer de mama atual não deverão receber o DIU-LNG 52 mg (7).

Por fim, reforçamos que a AE é eficaz e segura, não é abortiva nem teratogênica, isenta de contraindicações (métodos orais) ou com poucas contraindicações (no caso dos DIUs). A pílula de emergência de levonorgestrel pode ser adquirida mesmo sem receita médica. Difundir informações sobre AE é imprescindível para reduzir gestações não planejadas e, consequentemente, melhorar a saúde materna e infantil.

Sugerimos ainda a atualização do “Protocolo para Utilização do Levonorgestrel” (9) para “Protocolo para utilização de Anticoncepção de Emergência”, que inclua a oferta do DIU de cobre, disponível na rede SUS, bem como a entrega antecipada do LNG para as pacientes identificadas como estando em maior risco de falha do método em uso, tais como as usuárias de métodos de curta duração.

 

QUADRO 1 – PONTOS-CHAVE DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

Método Prescrição Médica Falha Contraindicação Prazo para uso após RS desprotegida
DIU Precisa de um profissional treinado para inserir 0,1% Gravidez, DIP atual, SUA não diagnosticado, câncer de corpo ou de colo do útero, malformações müllerianas ou outras lesões que distorcem a cavidade uterina. 120 horas

(5 dias)

Levonorgestrel

– 0,75 mg de 12/12h por 24 horas

– 1,5 mg em dose única

Não é necessária 2,2% Não tem 120 horas

(5 dias)

Yuzpe 

4 comprimidos de 30 μg de EE + 150 μg de LNG de 12/12 h por 24h ou a dose total em tomada única

Não é necessária 3,2% Não tem 120 horas

(5 dias)

Em qualquer circunstância, oferecer preservativo e orientar sobre demais métodos anticoncepcionais.

LEGENDA: RS, relação sexual; DIP, doença inflamatória pélvica; DIU, dispositivo intrauterino; SUA, sangramento uterino anormal; EE, etinilestradiol; LNG, levonorgestrel

 

Referências

  1. Salcedo J, Cleland K, Bartz D, Thompson I. Society of Family Planning Clinical Recommendation: Emergency contraception. Contraception. 2023 May;121:109958. 
  2. World Health Organization. WHO Model List of Essential Medicines [Internet]. 22nd editi. Organization WH, editor. 2021. 66 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-MHP-HPS-EML-2021.02
  3. Trussell J, Ellertson C, Stewart F. The effectiveness of the Yuzpe regimen of emergency contraception. Fam Plann Perspect. 1996;28(2):58-64,87. 
  4. Ellertson C, Webb A, Blanchard K, Bigrigg A, Haskell S, Shochet T, et al. Modifying the Yuzpe regimen of emergency contraception: a multicenter randomized  controlled trial. Obstet Gynecol. 2003 Jun;101(6):1160–7. 
  5. Shen J, Che Y, Showell E, Chen K, Cheng L. Interventions for emergency contraception. Cochrane database Syst Rev. 2017 Aug;8(8):CD001324. 
  6. Society for Adolescent Health and Medicine. Emergency Contraception for Adolescents and Young Adults: Guidance for Health Care Professionals. J Adolesc Health. 2016 Feb;58(2):245–8. 
  7. World Health Organization. Medical Eligibility Criteria for Contraceptive Use. Geneva; 2015. 
  8. Corbelli J, Bimla Schwarz E. Emergency contraception: a review. Minerva Ginecol. 2014 Dec;66(6):551–64. 
  9. Ministério da Sáude. Protocolo para Utilização do Levonorgestrel. Ministério da Saúde . 2012; 
  10. Figueiredo R, Borges ALV, Paula SHB de. Panorama da Contracepção de Emergência no Brasil. 2016. 253 p. 
  11. Mooney-Somers J, Lau A, Bateson D, Richters J, Stewart M, Black K, et al. Enhancing use of emergency contraceptive pills: A systematic review of women’s  attitudes, beliefs, knowledge, and experiences in Australia. Health Care Women Int. 2019 Feb;40(2):174–95. 
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