Autores: Mendes MC, Sorpreso ICE, Bruno RV, Rodrigues MAH, Baccaro LFC, Costa LOBF, Orcesi-Pedro A, Sóstenes P, Wender MCO – Comitê do Climatério da SBRH
- Introdução
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença reumática inflamatória sistêmica1 e de etiologia multifatorial2. Na etiologia do LES estão envolvidos fatores genéticos, imunológicos, epigenéticos e ambientais2,3.
O LES acomete 10 vezes mais mulheres que os homens4, sendo 9 a 10 vezes mais frequente na menacme5. Entre as mulheres afro-americanas, há um risco aumentado de ocorrer nesta fase, embora em outras populações, a incidência específica por idade foi maior após os 40 anos6.
No Climatério, na fase anterior a menopausa, hoje denominada Transição menopausal, o LES ocorre com maior frequência4. Pode ocorrer na Pós-menopausa4, mas seu surgimento, após os 50 anos, é incomum7.
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- Sinais e Sintomas
O LES pode se manifestar de várias formas, podendo atingir múltiplos órgãos8. Os sinais e sintomas mais encontrados são: fadiga (35,22%); alterações de peso (13,43%); manifestações cutâneas, como rash malar (37,69%), fotossensibilidade (35,10%), lúpus discoide (17,63%), queda de cabelo (39,29%); manifestações musculoesqueléticas, como artralgia (68,75%), mialgia (55,65%) e artrite (48,31%)9. Além disso, apresentam um risco muito elevado de trombose venosa e arterial4. Outras manifestações menos comuns podem surgir, como miosite (2,47%), necrose avascular (1,98%) e anormalidades tendíneas (0,31%)9.
As pessoas que desenvolvem essa doença podem apresentar, também, períodos de aumento da atividade da doença, com piora ou surgimento de novos sinais e sintomas clínicos e/ou exames laboratoriais, sendo denominada Flares ou Crise10.
O LES pode estar associado à positividade dos Anticorpos antifosfolípides (aPL) e Anticorpos anticoagulantes, ocorrendo, segundo alguns autores, em 30% dos casos4, enquanto outros citam que o aPL positivo se apresenta em até 40% das pacientes lúpicas11.
Várias ferramentas são utilizadas para avaliar a atividade dessa doença como o Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index (SLEDAI), Systemic Lupus International Collaborating Clinics Damage Index (SLICC/ACR) e British Isles Lupus Assessment Group (BILAG)12. No Brasil, o Ministério da Saúde, em portaria publicada em 2022, recomenda o uso do SLEDAI4.
- LES no Climatério
Existem algumas peculariedades do LES que surgem no período do Climatério. O tratamento instituído para LES tem determinado melhora no prognóstico e nas taxas de sobrevivência, o que tem levado a um aumento no número de mulheres lúpicas que chegam à menopausa13.
Em um estudo transversal, em que avaliaram 961 mulheres com LES, encontraram que a idade média da menopausa natural ocorreu aos 50 anos, que é semelhante a da população geral. Nesse estudo observaram que, 7,9% tiveram menopausa natural e 6,3% tiveram menopausa após tomar Ciclofosfamida14. A terapia com Ciclofosfamida, a idade ao receber esse medicamento, a maior atividade da doença e, também, a herança hispânica podem induzir a falência gonadal13. Assim, em mulheres com LES, a terapia com Ciclofosfamida pode induzir o surgimento da Insuficiência Ovariana Prematura, especialmente se o tratamento for iniciado em idade acima de 32 anos1.
O LES diagnosticado após os 50 anos, apresenta menor comprometimento de diversos órgãos e após a menopausa, há diminuição das Flares4. Nas mulheres pós-menopausadas foram relatados mais serosite e acometimento pulmonar, mas menor frequência de artrite, erupção malar, nefropatia, menos rash malar, fotossensibilidade, vasculite/púrpura cutânea, alopecia/queda de cabelo, fenômeno de Raynaud, manifestações neuropsiquiátricas, linfadenopatia, nefrite e síndrome nefrótica7, caracterizando-se, assim, por uma doença de menor gravidade. No entanto, nessa fase há um número maior de mortes, mas as causas de morte, geralmente, não são causadas pelo LES7. Sendo assim, na Pós-menopausa a atividade do LES é mais leve do que no período de Transição menopausal, embora haja maior acúmulo de danos15.
No Climatério, é frequente o surgimento de algumas doenças e aquelas portadoras de LES trazem um fator agravante. As Doenças Cardiovasculares (DCVs) são mais frequentes nas mulheres mais idosas e as pacientes com LES apresentam aumento do número de placas ateroescleróticas16 e um risco de desenvolver Aterosclerose precocemente17.
Outra patologia comum no Climatério é a Osteoporose e as pacientes lúpicas já possuem um risco aumentado, em 2 vezes, de fratura18. Esse risco piora com o comprometimento renal18, com o uso de Glicocorticóides17 e com os baixos níveis de VIT D, devido à ausência de exposição solar19.
O Tromboembolismo venoso (TEV) pode surgir nas mulheres climatéricas que usam Terapia Hormonal (TH) oral20. Além disso, a presença de obesidade, que é comum nessa fase da vida da mulher, eleva o risco de TEV21. As mulheres lúpicas apresentam um risco aumentado de trombose e se apresentarem com aPL positivo, há um risco maior de tromboembolismo arterial e venoso4.
- Terapia Hormonal em mulheres com LES
A TH, indicada para a paciente climatérica e portadora de LES, deve ser cuidadosa, porque além do estímulo ao surgimento de Trombose, aumenta, também, o risco de surgimento das Flares22.
Segundo Gompel, não há muitos trabalhos sobre a segurança da TH em mulheres lúpicas e as recomendações se baseiam na reposição hormonal em mulheres sem LES e na opinião de especialistas4. Sendo assim, Taylor et al recomendam TH para mulheres na pós-menopausa e com LES, se esta doença estiver estável ou inativa, sem elevação dos aPL e sem envolvimento renal22.
A European League Against Rheumatism (EULAR) defende o uso reservado de TH para casos de fogachos severos e incapacitantes, de preferência em pacientes com LES estável ou inativo e aPL negativo23. Em situações em que o aPL está positivo, o uso de TH deve ter indicação criteriosa, devido aos riscos de trombose e DCV. O Colégio Americano de Reumatologia, também, defende que a TH pode ser indicada se o LES estiver quiescente e a dosagem de aPL negativa. Destacam ainda que a recomendação de TH deve ser condicional, porque pode determinar um pequeno aumento no surgimento de Flares leves a moderadas24.
Quanto à via de administração da TH, no Consenso Brasileiro de TH na Menopausa, de 2018, é citada a preferência pela via transdérmica25, sendo a mesma conduta do grupo Speroff de 202022. A via transdérmica está associada a risco menor de tromboembolismo, quando prescrita para mulheres sem comorbidade,26,27. Em pacientes com história prévia de trombose, faltam trabalhos avaliando essa via.
Quanto à dose, sabe-se que com doses mais elevadas de Estrogênios há maior probabilidade de TEV28 e por isso, em mulheres com LES, tem se dado preferência para doses menores.
Para a reposição progestagênica, a opção é prescrever Progesterona (P4) micronizada e a Didrogesterona, devido ao menor risco de tromboembolismo venoso26,28-31.
A Tibolona é outra opção terapêutica. Em trabalho com 30 mulheres lúpicas pós-menopausadas, com SLEDAI baixo e aPL negativa, a Tibolona melhorou os fogachos e não foram observadas diferenças no Índice de atividade e na frequência das Flares, quando comparada com o Placebo32.
Em mulheres com LES que apresentam riscos à TH, outras medicações podem ser usadas e os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS) e Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina e Noradrenalina (ISRSN) são a 1ª opção. Anticonvulsivantes, como a Gabapentina, seria uma 2ª opção. Essas medicações são recomendadas para tratar os sintomas vasomotores das mulheres climatéricas que apresentam contraindicação à TH33.
Concluindo, a conduta terapêutica para pacientes com LES e com Síndrome climatérica, é descrita abaixo (Quadro 1)15.
Quadro 1: Conduta para pacientes com LES e com SíndromeClimatérica
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– Esquema contínuo ou sequencial
2) Paciente com LES ativo ou com história de SAF ou com aPL positiva
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