A Inteligência Artificial na Reprodução Assistida
Possibilidades e Implicações, Limites e o Lugar do Profissional de Saúde Mental
Cássia C. Avelar Helena P. Lopes Kátia M. Straube Rose M. Melamed
A reprodução assistida (RA) tem proporcionado novas possibilidades a pessoas e casais que enfrentam dificuldades para conceber. A incorporação da Inteligência Artificial (IA) a essas práticas amplia a precisão diagnóstica, otimiza a seleção de embriões e permite tratamentos mais personalizados.
Entretanto, o uso da IA também transforma as decisões clínicas e as experiências emocionais dos pacientes. A confiança em algoritmos, rankings de embriões e previsões probabilísticas pode gerar ansiedade, dilemas morais e sensação de despersonalização do processo reprodutivo.
Nesse cenário, o papel do profissional de saúde mental torna-se essencial. A escuta qualificada e o acolhimento emocional ajudam a elaborar sentimentos de medo, frustração ou culpa, além de favorecer o equilíbrio entre expectativas e realidade. A ideia de busca pelo bebê perfeito, associada à combinação da IA a testes genéticos e seleção de embriões, ou ainda, os termos técnicos ou classificações criadas por algoritmos podem afetar a percepção simbólica dos embriões e reativar questões éticas e existenciais, como o risco de uma “eugenia moderna”.
É preciso considerar que questões simbólicas como essas, têm peso clínico duradouro e merecem atenção, de modo a possibilitar o equilíbrio entre o uso dos recursos científicos e o reconhecimento dos aspectos emocionais do desejo de ter um filho
Embora a IA organize dados e identifique padrões emocionais, ela não substitui o cuidado humano. Questões de privacidade, segurança de dados e desigualdade de acesso também exigem atenção, reforçando a necessidade de uma governança ética e transparente.
Uma questão muito presente hoje é a busca de apoio emocional no ChatGPT e em outros chatbots por indivíduos, inclusive pacientes em tratamento de RA. Esse movimento reacende o debate sobre os limites do uso da IA no cuidado psicológico e os riscos do aconselhamento automatizado. Há o perigo de uma falsa sensação de acolhimento, já que, embora o modelo “pareça” compreender, pode não captar nuances emocionais, normalizar sinais de alerta ou oferecer respostas inadequadas em contextos delicados.
A IA deve ser compreendida como ferramenta de apoio, e não como substituta da relação entre pacientes e profissionais. O acompanhamento psicológico continua indispensável para sustentar a dimensão emocional, ética e relacional do desejo de gerar uma vida.
A introdução da IA na RA representa um avanço significativo nas práticas médicas e nos resultados clínicos. Contudo, apesar do potencial tecnológico, a dimensão emocional e subjetiva no processo reprodutivo não pode ser substituída por algoritmos — ela é o que lhes confere propósito. Tecnologia sem propósito é apenas máquina; com propósito, é possibilidade de serviço à vida.
“A inteligência artificial contribui para a resolução de questões objetivas, o que não invalida a subjetividade que constitui o ser, ou seja, sentimentos e emoções continuarão como experiências individuais de cada pessoa.” (Haber et al, 2024)
“A inteligência artificial pode ser um recurso valioso quando aplicada com discernimento e consideração ética, aprimorando, mas não substituindo, o toque humano na terapia.” (Haber et al, 2024)
REFERÊNCIAS
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