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Comitê: Climatério

Papel da TH nos distúrbios do sono, do humor e da cognição na Perimenopausa

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Autores: Costa LOBF, Mendes MC, Sorpreso ICE, Bruno RV, Rodrigues MAH, Baccaro LFC, Orcesi-Pedro A, Sóstenes P, Wender MCO – Comitê do Climatério da SBRH

Inúmeras evidências comprovam a presença, a ampla distribuição de receptores e a atividade funcional dos esteroides sexuais em regiões do cérebro envolvidas na regulação do sono, do humor e da função cognitiva.

O estradiol tem efeito neuro-modulador e neuro-protetor do hipotálamo, amígdala e hipocampo, atua no endotélio vascular impedindo a vasoconstricção, aumenta a densidade dos receptores dos neurotransmissores (NT) em hipocampo, regula a glicose e o metabolismo oxidativo, ativam ou inibe enzimas de síntese dos NT e aumenta a triptofano-hidroxilase, importante enzima para a síntese da serotonina. A progesterona, aumentando a atividade da Monoaminaoxidase (MAO), reduz os  níveis de serotonina, induz um efeito neuro-depressor, tem propriedade anestésica, tranquilizante, estabilizadora do humor e induz a redução de atividades mentais. A testosterona aumenta a proliferação, crescimento e sobrevida celular no hipocampo.1 Estas evidências sugerem que os esteroides sexuais, além de exercerem um efeito neuro-modulador cerebral, podem ter um efeito terapêutico sobre as disfunções afetivas e cognitivas da mulher  na perimenopausa. 

Embora os sintomas vasomotores (SVM), as alterações do sono, do humor e da cognição, possam estar relacionados diretamente com a redução dos estrógenos endógenos na Perimenopausa, evidências atuais mostram uma complexa interação multidirecional entre estas manifestações clínicas.  Fogachos são fortemente correlacionados com as desordens do sono, medidas pela polissonografia (PSG), e parecem ser a principal causa dos distúrbios do sono que aparecem em até 50% das mulheres na Peri e Pós-menopausa.2 

A interrelação entre os distúrbios do sono e as alterações do humor é bem definida na população geral e a mulher apresenta maior risco de desenvolver Depressão Maior e Transtornos de Ansiedade durante a Transição menopausal, principalmente, aquelas que apresentam SVM.3 Assim,  tem sido sugerido que os SVM, interrompendo o sono, permitem a ocorrência de pensamentos ansiosos intrusivos durante os despertares noturnos, que irão predizer os distúrbios do humor durante o dia seguinte. Além disso, posteriormente, irão afetar negativamente tanto o adormecimento, quanto o despertar precoce, fechando um ciclo vicioso que tende a se autoperpetuar3. 

As alterações polissonográficas do sono, correlacionadas aos SVM4, melhoram significativamente com a estrogenioterapia5 e, possivelmente, com o uso da progesterona micronizada isolada em mulheres na Perimenopausa, parecendo ser uma boa opção para aquelas que ainda menstruam.6  

O ensaio clínico KEEPS (Kronos Early Estrogen Prevention Study) investigou, primariamente, os efeitos da terapia hormonal (TH) estrogênica (estrógenos conjugados 0,45 mg/dia ou estradiol transdérmico 50 mcg/dia, uso contínuo) associada a progesterona micronizada (200 mg/dia/ 12 dias / mês), na progressão da espessura da intima média da carótida em mulheres na Perimenopausa, com no máximo três anos após a ocorrência da menopausa. Avaliou, secundariamente, os efeitos desses esquemas no sono, humor e na cognição.   Foi observada uma redução significativa no score global do Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), da satisfação, qualidade, latência e distúrbios do sono, assim como nos scores dos SVM e suores noturnos, com o uso da TH comparada ao placebo. Entretanto, não foi observada uma correlação, estatisticamente significante, entre os índices médios de redução dos scores do PSQI e dos SVM, sugerindo que o efeito benéfico da TH  no sono também seja mediado por outro mecanismo que não a melhora dos SVM.7

Uma revisão sistemática e metanálise avaliou diferentes esquemas de TH na qualidade do sono na Perimenopausa através da PSG e de medidas subjetivas obtidas através de diferentes inventários. Não foi observada nenhuma mudança, estatisticamente significante, no tempo total de sono, latência, eficiência do sono e número de despertares, quando avaliados pela PSG. Na análise subjetiva, entretanto, observou-se melhora, estatisticamente significante,  na qualidade do sono com a estrogenioterapia oral ou transdérmica, em esquemas combinados, com o uso da progesterona micronizada ou do acetato de medroxiprogesterona, porém com um efeito mais favorável com o estradiol transdérmico e com a progesterona micronizada, desde que usados por pelo menos 6 meses. A metanálise concluiu que estradiol transdérmico combinado com a progesterona micronizada, por no mínimo 6 meses é o melhor esquema para o tratamento dos distúrbios do sono na Perimenopausa.8  

Considerando a relação bidirecional entre a insônia e a depressão, é difícil determinar se a insônia na Perimenopausa está relacionada à elevada prevalência da depressão clínica ou sintomas depressivos durante este período ou ao status hormonal da Perimenopausa propriamente dito. Esquemas terapêuticos específicos para a abordagem da depressão relacionada à Menopausa ainda são discutidos.9  

Algumas evidências têm mostrado que os efeitos da TH sobre a saúde mental depende do tipo de esquema hormonal, da via de administração e da população alvo.10 A estrogenioterapia, sobretudo  a transdérmica, parece ter efeito antidepressivo de magnitude similar aos antidepressivos clássicos, quando administrados a mulheres na Perimenopausa com depressão maior, distimia ou sintomas depressivos, acompanhados ou não de SVM concomitantes.10,11 Entretanto, parece ser ineficaz como tratamento dos transtornos do humor em mulheres na Pós-menopausa. Este achado sugere uma possível janela de oportunidade para o uso efetivo da estrogenioterapia na terapêutica da depressão durante a Perimenopausa, mas não na Pós-menopausa.11  

Uma coorte prospectiva dinamarquesa acompanhou cerca de 190 mil mulheres em uso da TH sistêmica (E ou EP) a partir dos 45 anos, por 11 anos e observou um aumento, estatisticamente significante, de cerca de 40%, na incidência de depressão, em mulheres sem antecedentes de depressão, a partir do 5º ano de uso. Observou, ainda, um aumento de mais de duas vezes em mulheres com antecedentes, a partir do 1º ano de uso. Os autores, no entanto, não ajustaram a incidência de depressão pela presença de SVM, considerado um significativo marcador de risco para a depressão.12              

Um ensaio clínico avaliou a eficácia do estrogênio transdérmico associado à progesterona micronizada na prevenção de sintomas depressivos em mulheres eutímicas na Transição menopausal, sendo observada uma redução, estatisticamente significante, de 15% no score CES-D ≥ 16% (diagnostico de depressão). As evidências, entretanto, não são suficientes para a recomendação do uso preventivo da estrogenioterapia em mulheres assintomáticas na Perimenopausa.13 

Alguns estudos clínicos têm avaliado o papel da estrogenioterapia na potencialização da resposta dos antidepressivos no tratamento da depressão ou sintomas depressivos na Peri e Pós-menopausa. De modo geral, foram observados efeitos positivos sobre o tratamento com antidepressivos.  Em outro estudo, a estrogenioterapia não aumentou a reposta ou taxas de remissão dos sintomas induzidas pela sertralina, mas acelerou o início dos efeitos dos antidepressivos, comparados ao placebo. Isto sugere que a estrogenioterapia associada aos antidepressivos pode acelerar a recuperação de um episódio depressivo na Perimenopausa. Uma revisão sistemática, com poucos ensaios clínicos, demonstrou um incremento nos índices de resposta aos Inibidores da Recaptação da Serotonina (IRSS) administrados com a estrogenioterapia, quando comparados com o IRSS associado ao placebo.14  A potencialização dos antidepressivos, principalmente dos IRSS, associados aos estrogênios deve ser considerada com cautela, utilizando, preferentemente, quando a TH for indicada também para outras condições, como os SVM e suores noturnos, até que mais estudos confirmem esse benefício da estrogenioterapia. 

Em relação à função cognitiva, os achados são divergentes. No estudo ELITE-Cog, o uso do estradiol oral associado à progesterona micronizada, em mulheres com até 6 anos ou mais de 10 anos de menopausa, não melhorou a função executiva, memória verbal ou habilidades cognitivas durante 5 anos de observação.15  

Uma revisão sistemática e metanálise, que incluiu 10 ensaios clínicos randomizados e controlados, avaliou o efeito da TH em vários domínios da memória em mulheres na Pós-menopausa. Não foram observadas diferenças, estatisticamente significantes, nos padrões da memória imediata, memória tardia, memória visual precoce e tardia nas usuárias da TH, quando comparada ao placebo.16 Por outro lado, uma coorte prospectiva, de base populacional, observou em mulheres com mais de 40 anos,  ao longo de pelo menos 7 anos de acompanhamento, uma redução progressiva do risco de demência (vascular, Alzheimer ou ambas) e em mulheres com depressão na Pós-menopausa, usuárias da TH, a partir do segundo ano de uso.17 Assim, outros estudos são necessários para confirmar a relação positiva  entre a TH e a função cognitiva.

Conclusões: 

  1. Os SVM estão fortemente correlacionados à desordens do sono, medidas pela PSG, em mulheres na Transição menopausal.
  2. As alterações polissonográficas do sono, correlacionadas aos SVM, melhoram significativamente, com a estrogenioterapia e, possivelmente, com o uso da progesterona micronizada isolada em mulheres na Perimenopausa.
  3. A estrogenioterapia transdérmica combinada com a progesterona micronizada, por no mínimo 6 meses parece ser o melhor esquema para o tratamento dos distúrbios do sono na Perimenopausa, acompanhados ou não de SVM.
  4. A TH parece ser melhor do que medicações específicas com ação no sistema nervoso central e seria a primeira linha de tratamento de insônia em pacientes na perimenopausa, mesmo que não apresentem fogachos. A TH com estrogenioterapia transdérmica combinada com a progesterona micronizada, por no mínimo 6 meses, é o melhor esquema de TH preconizado. 
  5. Uma comprovada interrelação, entre os distúrbios do sono e as alterações do humor na mulher, aumenta o risco de Depressão Maior e Transtornos de Ansiedade durante a Transição menopausal, principalmente naquelas que apresentam SVM.
  6. O uso da TH para o tratamento da depressão associada a SVM ou insônia, na Perimenopausa, deve ser considerado.
  7. A maioria dos estudos sugere uma janela de oportunidade para o uso efetivo da estrogenioterapia na terapêutica da depressão durante a Perimenopausa, mas não na Pós-menopausa.
  8. A estrogenioterapia pode potencializar a resposta dos antidepressivos no tratamento da depressão ou sintomas depressivos na Peri e Pós-menopausa.
  9. Em relação à função cognitiva na mulher na Perimenopausa, o tratamento com TH apresenta resultados divergentes, sendo necessários mais estudos para chegar à conclusões definitivas.

 

Referências

  1. Costa LOBF, Costa HLFF, Costa, MBF. Particularidades da Fisiologia Feminina. In: Transtornos Psiquiátricos na Mulher. Diagnóstico e manejo. Eds. Cantilino A, Neves MCL, Rennó Jr, J. 2023, Ed. Artmed, p. 1-16.
  2. Thurston RC, Yuefang C, Kline CE et al. Trajectories of Sleep Over Midlife and Incident Cardiovascular Disease Events in the Study of Women’s Health Across the Nation. Circulation. 2024;149:545–555. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.123.066491
  3.  Jeon, GH. Insomnia in Postmenopausal Women: How to Approach and Treat It? J. Clin. Med. 2024, 13, 428. https://doi.org/ 10.3390/jcm1302042
  4. Baker FC et al. Sleep and Sleep Disorders in the Menopausal Transition. Sleep Med Clin 2016, 13: 443–4562018 
  5. Prokai-Tatrai K and Prokai L (2024) The impact of 17b-estradiol on the estrogendeficient female brain: from mechanisms to therapy with hot flushes as target symptoms. Front. Endocrinol. 14:1310432. doi: 10.3389/fendo.2023.1310432 
  6. Nolan BJ, Liang B, Cheung AS. Efficacy of micronised progesterone for sleep: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trial data. J Clin Endocrinol Metab. 2021 Mar 25;106(4):942-951. doi: 10.1210/clinem/dgaa873. 
  7. Cintron D, Lahr BD, Bailey KR.  Effects of oral versus transdermal menopausal hormone treatments on self-reported sleep domains and their association with vasomotor symptoms in recently menopausal women enrolled in the Kronos Early Estrogen Prevention Study (KEEPS). Menopause: The Journal of The North American Menopause Society. 2017, 25:145-153. DOI: 10.1097/GME.0000000000000971
  8. Pan Z, Wen S, Qiao X.  Different regimens of menopausal hormone therapy for improving sleep quality: a systematic review and meta-analysis. Menopause, 2022. 29 (5): 627-635
  9. Herson M. Hormonal Agents for the Treatment of Depression Associated with the Menopause Drugs & Aging (2022) 39:607–618. 
  10. Rubinow DR, Johnson SL, Schmidt PJ. Et al. Efficacy of Estradiol in Perimenopausal Depression: So Much Promise and So Few Answers.  Depression and Anxiety 2015. 32:539–549.
  11. Maki PM, Kornstein SG, Joffe H, et al, Board of Trustees for The North American Menopause Society (NAMS) and the Women and Mood Disorders Task Force of the National Network of Depression Centers. Guidelines for the evaluation and treatment of perimenopausal depression: summary and recommendations. Menopause 2018; 25:1069-1085.
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