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Comitê: Famílias Plurais

REVIEW | “The ethics of fertility treatment for same-sex male couples: considerations for a modern fertility clinic”

REVIEW | “The ethics of fertility treatment for same-sex male couples: considerations for a modern fertility clinic”
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Autora do comentário: Bruna Holanda Luz do Nascimento

 

A expansão do reconhecimento legal das uniões do mesmo sexo, seja através de parcerias civis ou casamento, redefiniu as ideias tradicionais sobre quem pode optar por ter filhos. Como resultado desta crescente igualdade social e jurídica, aumentou o número de casais do mesmo sexo masculino (SSM) que procuram alcançar a parentalidade sem a necessidade da relação heterossexual por meio de co-parentalidade ou adoção. Isto tornou-se possível recentemente, no Brasil, através das técnicas de reprodução assistida pela possibilidade de doação parental ou aquisição de oócitos de bancos com utilização de espermatozóides de um dos parceiros ou uso de embriões doados, ambos com doação temporária de útero.

Há um número crescente de homens não heterossexuais à procura de assistência médica, principalmente em clínicas de Reprodução Assistida, para ter filhos biológicos. Torna-se fundamental que as clínicas e os profissionais estejam preparados para isso, proporcionando inclusão, igualdade e respeito a todos. É necessário fornecer informações a todos, esclarecendo as diversas opções de tratamento para se conseguir formar uma família e, assim, ajudando os grupos minoritários a sentirem-se menos marginalizados e mais aceitos. O tratamento da fertilidade para casais do sexo masculino é uma questão complexa, envolvendo sempre terceiros: uma mulher que cederá seu útero e uma doadora de óvulos. E, por isso, ainda recebe muitas críticas, levantando muitas preocupações éticas.

O artigo intitulado “The ethics of fertility treatment for same-sex male couples: considerations for a modern fertility clinic”, publicado em 2019, analisa estas críticas no contexto dos serviços modernos de fertilidade, proporcionando uma reflexão sobre as evidências presentes e o que elas significam para os médicos hoje. Também, de acordo com esse artigo, existem três questões éticas sobre o tratamento de fertilidade por casais SSM: as relacionadas ao processo de doação de óvulos e cedente temporária do útero, as questões relacionadas ao casal contratante e as relativas ao bem-estar das crianças. Em relação a doadora de óvulos e a cedente temporária do útero, existem preocupações em relação aos aspectos físicos e psicológicos.

Um dos riscos físicos durante o tratamento de reprodução assistida é a síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO), uma complicação grave iatrogênica do tratamento com um resultado potencialmente fatal. Estudos mostram que um quinto das mulheres não está ciente de quaisquer riscos associados ao processo de doação de óvulos, e apenas um terço relatou estar ciente da SHO. Assim, as questões éticas são significativas.

Quanto ao risco psicológico, descobriu-se que a consciência pré-doação dos riscos psicológicos refletia resultados mais desafiadores. A fim de reduzir esses riscos psicológicos, é fundamental realizar uma avaliação psicológica da doadora de oócitos e registar em prontuário o relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos, assim como orienta a resolução brasileira CFM Nº 2.320/2022. Além disso, o aconselhamento deve preparar as doadoras para a possibilidade de contato futuro com crianças concebidas por doadoras de oócitos no Reino Unido e as implicações psicossociais que isso poderia ter. No Brasil, se a doação de oócitos for realizada por parente até quarto grau, desde que não exista consanguinidade, o anonimato não será uma realidade, diferentemente dos casos em que os óvulos são obtidos de bancos, onde é exigido o anonimato (CFM Nº 2.320/2022).

Em relação à doadora temporária do útero, ela enfrentará todos os riscos da gravidez, e possivelmente os da doação ao concordar em carregar uma criança com a intenção de entregá-la ao casal contratante. Alguns consideram a gravidez por útero de substituição uma experiência emocional de alto risco ao sacrificar a relação doadora-criança para satisfazer o casal contratante. Porém, a maioria concorda que a doação temporária do útero é uma experiência positiva. Em muitos países, como no Reino Unido, a legislação proíbe essa prática com finalidade comercial, permitindo acordos altruístas com remuneração apenas de despesas razoáveis. Isto é uma ação relevante para reduzir o risco da exploração de mulheres por meio dessa prática.

No Brasil, também é proibido o caráter lucrativo ou comercial, devendo a cedente temporária do útero pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau ou na impossibilidade, deverá ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina. Apenas o casal deve arcar financeiramente com tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mulher que ceder temporariamente o útero, até o puerpério.

Quanto ao risco de, no futuro, existir o contato da doadora de oócitos com a criança inexiste no Brasil, uma vez que a doação é anônima com exceção quando for parente de até quarto grau de um dos parceiros. Com relação às questões relacionadas ao casal SSM, têm-se as complexidades e incertezas relacionadas com a doação temporária do útero; progenitor genético e custos emocionais e financeiros durante o tratamento de reprodução assistida.

Os acordos de útero de substituição são frequentemente exigidos, mas nem sempre são executáveis por lei. No Reino Unido, quando uma criança nasce, a mãe biológica/substituta é o pai legal da criança no nascimento. O casal contratante deve então solicitar uma Ordem Parental assim que a criança nascer, a qual, se concedida, transfere os direitos parentais para eles. Este processo não pode começar antes de seis semanas após o nascimento da criança. Neste período intermédio, o casal contratante pode não conseguir, por exemplo, tomar decisões médicas em nome do seu filho.

Outra questão é que uma criança pode ter apenas um pai biológico, exigindo a identificação de um único progenitor genético por cada casal SSM. Alguns casais podem procurar a geminação fraterna com dupla paternidade como solução. Implicações éticas da transferência dupla de embriões e da consequente gravidez múltipla, que são amplamente consideradas como o maior risco de fertilidade. No Brasil, a transferência embrionária de embriões formados por gametas de doadores distintos não é permitida, devendo-se ser realizada a transferência com embriões de uma única origem para a segurança da prole e rastreabilidade.

Por último, os casais SSM não estão imunes aos custos emocionais, financeiros e de tempo bem documentados do tratamento de reprodução assistida. O sucesso do tratamento depende da cooperação contínua de terceiros e da disponibilidade de financiamento que não pode ser garantida através de múltiplos ciclos de ART que podem ser necessários, pois o tratamento de reprodução assistida não garante um embrião, uma gravidez ou um nascimento saudável.

Muitos desses riscos são minimizados no Brasil devido a resolução CFM Nº 2.320/2022. O risco de desistir de entregar a criança por parte da cedente do útero alegando ser mãe biológica não existe no Brasil, pois a doadora de óvulos não pode ser a cedente temporária do útero. Além disso, antes de todo esse processo, todos os envolvidos são avaliados quanto a saúde física e a mental; são orientados sobre riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação; assinado termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero que receberá o embrião em seu útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança e um compromisso do registro civil da criança pelos pacientes, devendo essa documentação ser providenciada durante a gravidez.

Com relação ao bem-estar da criança, quando se observam desvios em relação a uma família nuclear tradicional, o debate muda do interesse superior dos pais para o bem-estar da criança, supondo-se que criar uma criança fora da heteronormatividade, tem-se resultados abaixo do ideal para ela. Todos os argumentos de que os casais SSM têm mais problemas psicológicos, de que produzirão filhos homossexuais ou de que os seus filhos serão vítimas de bullying, dependem de uma visão social negativa da homossexualidade e, consequentemente, dos relacionamentos SSM: o preconceito social. Muitos casais SSM que consideram a paternidade estão preocupados com a possibilidade de os seus filhos sofrerem estigma social, exclusão social ou bullying.

Os céticos usam das estatísticas populacionais, que demonstram maior prevalência de transtornos psiquiátricos em homens gays, para sugerir que estes problemas de saúde mental têm impacto na capacidade parental dos casais SSM e no bem-estar infantil. Todavia, já existe um número crescente de pesquisas com dados sugerindo que ser criado por pais do mesmo sexo não tem resultados negativos no desenvolvimento ou psicológicos para uma criança, nem resulta em diferenças na identidade de gênero, no comportamento do papel de gênero ou na preferência do parceiro sexual em comparação com pais do sexo oposto.

Apesar disso, os críticos da parentalidade dos casais SSM argumentam que as crianças precisam de uma mãe e de um pai para reconhecerem os papéis de gênero e desenvolverem-se “normalmente”. Os estudos utilizados para apoiar este argumento mostraram resultados abaixo do ideal para filhos de pais do mesmo sexo em vários domínios (educação, emprego e saúde mental). No entanto, estes estudos têm sido amplamente criticados pelos pares por lidarem mal com os conjuntos de dados e por não terem em conta fatores de confusão, como a ruptura familiar, não considerando, portanto, exclusivamente as crianças que foram criadas por pais do mesmo sexo.

Esse conjunto de pesquisas ilustra a homofobia e o heterossexismo inerentes à sociedade, utilizando famílias heterossexuais como grupos de controle para comparar famílias homossexuais. Estes estudos consideram a paternidade heterossexual como um “padrão ouro” e determinam a aceitabilidade da paternidade homossexual por comparação, chegando frequentemente a uma conclusão de “sem diferença”.

No contexto da fertilidade, é necessário que o acesso às técnicas de reprodução assistida seja igualitário, reduzindo barreiras, por exemplo, treinando a equipe das clínicas de reprodução, minimizando os preconceitos inconscientes dos profissionais de saúde. As decisões devem ser individualizadas, caso a caso. Portanto, é inadequado limitar as opções reprodutivas para casais SSM com base nas tendências de saúde mental ou crenças errôneas em toda a população.

É de fundamental importância uma regulamentação acerca da doação de óvulos e da doação temporária de útero, minimizando os potenciais riscos anteriormente apresentados, uma vez que em alguns países isto é dúbio ou inexistente. Além disso, avaliação clínica e psicológica, previamente ao tratamento, de todos os envolvidos é pertinente como previsto na resolução brasileira.

Referência:

  1. Scott C. Mackenzie, Dita Wickins-Drazilova, Jeremy Wickins. The ethics of fertility treatment for same-sex male couples: considerations for a modern fertility clinic. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology 244 (2020) 71–75. doi.org/10.1016/j.ejogrb.2019.11.011
  2. RESOLUÇÃO CFM Nº 2.320/2022.

 

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