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Comitê: Infertilidade

Recomendações Práticas em Testes Diagnósticos Adjuntos (Add-ons) em Medicina Reprodutiva

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Paula Andrea Navarro1,2, Eduardo Camelo de Castro1,3

 

1Membro do Comitê de Infertilidade da SBRH e atual Presidente da SBRH; 2 Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP; 1Membro do Comitê de Infertilidade da SBRH; 3Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

 

O nascimento do primeiro bebê oriundo de fertilização in vitro (FIV) ocorreu em 1978, de modo que temos apenas 45 anos de evolução das técnicas de reprodução assistida (TRA) em seres humanos. Paralelamente a isto, se por um lado, um grande e crescente número de pessoas requer tratamentos de reprodução assistida para tentar constituir as suas famílias, por outro, o acesso aos tratamentos é bastante limitado, a taxa de abandono antes de se obter o sucesso gestacional é elevada, mesmo em países onde os tratamentos são custeados pelo governo, as taxas de sucesso obtidas são inferiores às desejadas e os dados de segurança para a prole são limitados, sobretudo a médio e longo prazo. Em conjunto, estes fatores estimulam o desenvolvimento rápido de novas intervenções diagnósticas e terapêuticas, que deveriam prover maior eficácia às TRA, com adequada segurança e custo justificável. Neste contexto, reforçamos que é altamente desejável o desenvolvimento de novas metodologias e a sua adequada avaliação e validação em estudos experimentais e clínicos. Todavia, a imensa maioria destas intervenções adjuntas (também chamadas “add-ons”) é introduzida precocemente na prática clínica, sem evidências científicas de boa qualidade relativas à sua eficácia, segurança e custo-efetividade, o que, além de agregar custo a procedimentos já de alto custo e baixo acesso, sem prover aumento real do sucesso dos procedimentos, pode, eventualmente, até mesmo comprometer os resultados. Preocupadas com este cenário, várias sociedades de medicina reprodutiva internacionais têm se posicionado, sobretudo nos últimos 5 anos, em relação às recomendações relativas à utilização destes testes e intervenções adjuntas. 

A Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), nas próximas edições dos Boletins do seu Comitê de Infertilidade, irá resumir as recomendações da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), publicadas em setembro de 2023 (ESHRE Add-ons working group, 2023), consideradas por esta Sociedade como as mais completas e atualizadas no momento. 

Neste boletim, resumiremos os testes diagnósticos adjuntos. No próximo boletim, resumiremos os testes e intervenções laboratoriais adjuntos (na visão dos clínicos, pois o Comitê de Embriologia da SBRH irá resumi-los considerando a visão dos embriologistas) e, finalmente, iremos sumarizar os testes e intervenções clínicos adjuntos.

Para a compreensão das quatro frases padrão que serão usadas para formular as recomendações do Guideline do ESHRE, assim como de suas implicações, observar a Tabela 1.

 

Tabela 1. Descrição das quatro frases padrão que serão usadas para formular as recomendações do Guideline do ESHRE, assim como de suas implicações.

Terminologia Implicações
Recomendado O teste/intervenção pode ser aplicado para a maioria dos pacientes ou para um grupo específico para o qual possa ser relevante
Pode ser considerado O teste/intervenção pode ser aplicado após uma discussão aprofundada sobre possíveis benefícios e riscos e com monitoramento, acompanhamento e avaliação rigorosos
Atualmente não recomendado para uso clínico de rotina O teste/intervenção não deve ser aplicado rotineiramente aos pacientes nesta fase, mas isto pode mudar quando mais evidências sobre eficácia e segurança estiverem disponíveis. Opcionalmente, a intervenção pode ser aplicada a um grupo específico de pacientes.
Não recomendado Com base em preocupações de segurança e/ou falta de eficácia e/ou falta de fundamentação biológica, o teste/intervenção não deve ser aplicado aos pacientes. Avaliações adicionais desses testes/intervenções podem ser feitas, mas apenas em ambientes de pesquisa rigorosos

Fonte: ESHRE Add-ons working group. Good practice recommendations on add-ons in reproductive medicine†. Hum Reprod. 2023 Sep 25:dead184. doi: 10.1093/humrep/dead184.

 

  1. Testes diagnósticos

 

  • Histeroscopia diagnóstica para rastreamento

Recomendação

  • Os resultados de três estudos clínicos randomizados (RCTs) multicêntricos recentes, de alta qualidade, não demonstraram melhora significativa nas taxas de nascidos vivos (NVs) após histeroscopia diagnóstica realizada antes do tratamento de fertilização in vitro
  • No entanto, em pacientes com falha recorrente de implantação (RIF), a histeroscopia pode oferecer benefícios potenciais e pode ser considerada, conforme indicado pelas Recomendações de Boas Práticas sobre RIF da ESHRE (ESHRE Working Group on Recurrent Implantation Failure, 2023), resumidas no primeiro Boletim do Comitê de Infertilidade da SBRH recentemente divulgado no site da sociedade.

 

  • Testes de receptividade endometrial

Os mecanismos relacionados à receptividade do endométrio humano são complexos e não bem compreendidos. Ainda assim, há testes, já disponíveis e comercializados no mercado, que se destinam a avaliar a receptividade endometrial e classificam o endométrio como pré-receptivo, receptivo ou proliferativo. Os resultados do referido teste tem sido utilizados para orientar a transferência embrionária personalizada (pTE), em que o momento da TE é definido de acordo com o resultado do teste. Esses testes têm sido aplicados principalmente em pacientes que apresentam falha recorrente de implantação, mas também em receptoras de ovócitos doados  e pacientes com bom prognóstico.

Apesar de estudos observacionais terem sugerido a possibilidade da pTE promover aumento das taxas de NVs, os RCTs, que fornecem evidências de melhor qualidade, não confirmaram estes achados. 

O maior e mais recente RCT publicado é um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, realizado em 30 centros nos EUA, incluindo 767 mulheres que tinham pelo menos um blastocisto euploide criopreservado. As pacientes foram randomizadas para um grupo de intervenção, submetido a transferência de embrião criopreservado dependendo do resultado do teste de receptividade, com a duração de exposição à progesterona ajustada antes da transferência, se indicado pelo teste de receptividade, ou para um grupo controle submetido a TE no momento padrão, independentemente dos resultados do teste de receptividade. Este estudo evidenciou que, nas mulheres com pelo menos um blastocisto euploide criopreservado, o uso de testes de receptividade endometrial para orientar o momento da TE não melhorou significativamente a taxa de NV em comparação com a TE padrão (respectivamente, 58,5% (223/381) versus 61,9% (239/386); RR 0,95; IC 95% 0,79 a 1,13) (DoyLe et al., 2022). 

Recomendação

  • Os testes de receptividade endometrial atualmente disponíveis não são recomendados.

 

1.3. Testes e tratamentos de imunologia reprodutiva, incluindo células natural killer (NK), receptor semelhante a imunoglobulina de células NK (KIR) e testes imunológicos HLA (Human Leucocyte Antigen)

1.3.1. Testes imunológicos 

Salienta-se que esta seção não se aplica a mulheres com doenças autoimunes, incluindo doenças da tireoide e síndrome do anticorpo antifosfolípide, ou a mulheres que estejam fazendo tratamentos imunológicos, como esteróides, para outras indicações médicas.

Baseada na ideia de que a mãe e o feto são geneticamente diferentes, surgiu uma visão controversa de que o “feto é rejeitado”, a menos que haja uma modificação da resposta imune materna. Mais recentemente, foi feita a afirmação de que são os leucócitos dominantes no endométrio, as células NK uterinas (uNK), quem pode “matar o feto”. Todavia, estudos recentes mostram que isto é incorreto, uma vez que o feto está separado do sistema imunológico materno pela placenta e as uNK são apenas fracamente citolíticas, não sendo capazes de matar as células da placenta (Moffett e Shreeve, 2015, 2023).

Há diferentes testes imunológicos avaliados e já aplicados na medicina reprodutiva, incluindo a análise da quantidade e função das células NK no sangue, tipagem de receptores semelhantes a imunoglobulina de células NK (KIR) e genótipos HLA, células T reguladoras (Tregs), proporções Th1/Th2 e citocinas, como o fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF). Todavia, não há uma justificativa clara para a realização de qualquer um desses testes (Moffett e Shreeve, 2015). Além disto, é importante ressaltar que as populações imunológicas uterinas locais são bastante diferentes daquelas presentes no sangue. As células NK são avaliadas como números, percentagens, proporções ou com ensaios funcionais. A proporção de leucócitos mononucleares sanguíneos que são células NK varia amplamente em indivíduos normais (5–25%). Apesar disso, um limite arbitrário (normalmente cerca de 12%) tem sido utilizado pelas clínicas para inferir que níveis acima deste limite são anormais. 

1.3.2. Receptor semelhante a imunoglobulina de células NK (KIR) e testes imunológicos HLA (Human Leucocyte Antigen)

A razão pela qual a genotipagem de mulheres para uma família de receptores NK, nomeadamente KIRs, foi introduzida por algumas clínicas é que eles são altamente polimórficos, o que significa que as mulheres têm o seu próprio repertório herdado de genes KIR. Alguns membros da família KIR ligam-se a ligantes HLA-C expressos pelas células trofoblásticas invasoras da placenta (Moffett e Colucci, 2015). Vários estudos sobre distúrbios da gravidez, como a pré-eclâmpsia, que ocorrem no final da gestação estão associados a certas combinações de variantes genéticas KIR maternas e HLA-C fetais (Moffett e Colucci, 2015). Isto sugere que o sucesso da placentação depende, em parte, das interações entre as células uNK e o trofoblasto, mas exatamente como o uNK media funcionalmente isso ainda é desconhecido. Além disto, todas as evidências até agora apontam para o aumento do número de células uNK no início da gravidez atuando num processo fisiológico e não há evidências de que sejam prejudiciais à gravidez (Alecsandru e Garcıa-Velasco, 2017).

Recomendação

    • Há falta de uma lógica biológica clara e de relevância clínica para os exames de sangue que avaliam vários parâmetros imunológicos e incerteza quanto à sua seleção e interpretação. Para as células uNK, existe uma ambigüidade geral em relação ao seu papel na função e implantação endometrial, e nenhum consenso estabelece intervalos de referência normais confiáveis. Além disso, quaisquer alterações observadas nos parâmetros imunológicos e nos testes de células uNK podem ser atribuídas aos efeitos da diferenciação global alterada do endométrio secretor após a ovulação em resposta à progesterona, em vez de ter um papel causal. A genotipagem KIR e HLA requer mais estudos em grandes coortes clinicamente bem caracterizadas de grupos étnicos semelhantes com controles apropriados. As razões detalhadas pelas quais estes testes não devem ser introduzidos atualmente são descritas na revisão de Moffett et al. (2016).
  • Exames de sangue periférico para parâmetros imunológicos e testes de células uNK não são recomendados.
  • Atualmente, a genotipagem KIR e HLA não é recomendada para uso clínico de rotina.

 

1.4. Tratamentos imunomoduladores

Vários tratamentos foram propostos para modular de alguma forma o sistema imunológico durante o processo de implantação e, assim, tentar melhorar a implantação e a taxa de nascidos vivos. Esses tratamentos incluem esteróides, infusão de emulsão lipídica (intralipídica), imunoglobulina intravenosa (IVIG), terapia de imunização de leucócitos (LIT), tacrolimus, agentes antifator de necrose tumoral (anti-TNF), G-CSF e hidroxicloroquina. Mais recentemente, alguns destes tratamentos (por exemplo, LIT, G-CSF e células mononucleares do sangue periférico – PBMC) foram infundidos no útero. O uso de IVIG para abortos recorrentes é abordado na diretriz do ESHRE sobre Perda Gestacional Recorrente, recentemente publicada (ESHRE Guideline Group on RPL et al., 2023).

Recomendação

  • Tratamentos imunomoduladores, como Intralipid, IVIG, rh-LIF, PBMCs e anti-TNF, carecem de justificativa biológica e de evidência de benefício clínico. Além disso, potenciais efeitos colaterais graves foram relatados em outras populações de pacientes. Desta forma, estes tratamentos não são recomendados.

 

Uma visão geral de todas as recomendações sobre testes diagnósticos adjuntos em medicina reprodutiva com seu nível de evidência, relação benefício versus dano e outras considerações que contribuíram para sua formulação estão disponíveis na Tabela 2.

 

Referências Bibliográficas

Alecsandru D, Garcıa-Velasco JA. Why natural killer cells are not enough: a further understanding of killer immunoglobulin-like receptor and human leukocyte antigen. Fertil Steril 2017; 107:1273–1278.

Doyle N, Jahandideh S, Hill MJ, Widra EA, Levy M, Devine K. Effect of timing by endometrial receptivity testing vs standard timing of frozen embryo transfer on live birth in patients undergoing in vitro fertilization: a randomized clinical trial. JAMA 2022; 328:2117–2125.

ESHRE Add-ons working group; Lundin K, Bentzen JG, Bozdag G, Ebner T, Harper J, Le Clef N, Moffett A, Norcross S, Polyzos NP, Rautakallio-Hokkanen S, Sfontouris I, Sermon K, Vermeulen N, Pinborg A. Good practice recommendations on add-ons in reproductive medicine†. Hum Reprod. 2023 Sep 25:dead184. doi: 10.1093/humrep/dead184.

ESHRE Guideline Group on RPL, Bender Atik R, Christiansen OB, Elson J, Kolte AM, Lewis S, Middeldorp S, Mcheik S, Peramo B, Quenby S, Nielsen HS et al. ESHRE guideline: recurrent pregnancy

loss: an update in 2022. Hum Reprod Open 2023;2023:hoad002.

Moffett A, Colucci F. Co-evolution of NK receptors and HLA ligands in humans is driven by reproduction. Immunol Rev 2015; 267:283–297.

Moffett A, Chazara O, Colucci F, Johnson MH. Variation of maternal KIR and fetal HLA-C genes in reproductive failure: too early for clinical intervention. Reprod Biomed Online 2016;33:763–769.

Moffett A, Shreeve N. First do no harm: uterine natural killer (NK) cells in assisted reproduction. Hum Reprod 2015;30:1519–1525.

Moffett A, Shreeve N. Local immune recognition of trophoblast in early human pregnancy: controversies and questions. Nat Rev Immunol 2023;23:222–235. in pres

 

 

Tabela 2. Visão geral de todas as recomendações sobre testes diagnósticos adjuntos em medicina reprodutiva com a sua relação benefício versus dano, nível de evidência de eficácia e segurança, considerações e recomendação.

 

Intervenção Benefícios vs. danos Nível de evidência  de eficácia (TNV/TGC) Nível de evidência  de segurança Considerações Recomendação
Histeroscopia Diagnóstica para Rastreamento Pacientes não selecionados: nenhum benefício na TNV 

RIF: pode ter efeito benéfico na TNV

Nenhuma evidência de efeito na taxa de aborto espontâneo

As complicações são mínimas

⊕⊕οο ⊕⊕οο / Atualmente, a histeroscopia diagnóstica para rastreamento não é recomendada para uso clínico. A histeroscopia diagnóstica para rastreamento pode ser considerada em pacientes com falha recorrente de implantação.
Testes de Receptividade Endometrial Sem efeito nas TNV

Efeitos inconclusivo nas cTNV

Ausência de dados de segurança; biópsia pode ser dolorosa 

⊕⊕οο Sem dados Heterogeneidade clínica e metodológica nas populações de pacientes (número de ciclos prévios com falha), comparações reportadas e unidade de análise (por casal ou por ciclo) Os testes de receptividade disponíveis na atualidade não são recomendados.

KIR e genotipagem HLA não são recomendadas para uso clínico.

Testes e Tratamentos Imunológicos Testes Imunológicos Não é claro o benefício na TNV ou taxa de aborto pela falta de compreensão dos mecanismos

Falta informação sobre os riscos/danos

οοο Sem dados Ausência de racionalidade para estes testes, assim como falta de padronização Testes no sangue periférico para parâmetros imunes e testes de células NK uterinas não são recomendados
Tratamentos Imunológicos ⊕⊕οο Sem dados Ausência de racionalidade para estes testes, assim como falta de padronização Tratamentos de imunomodulação, como intralípide, IVIG, rhLIF, PBMCs e anti-TNF não são recomendados.

 

Nota: 1 Graus de Qualidade das Evidências: ⊕⊕⊕⊕: conjunto de evidências é de alta qualidade (evidências, pelo menos, de ensaios clínicos randomizados e controlados); ⊕⊕⊕ο: o conjunto de evidências é de qualidade moderada (evidências de RCTs ou de uma série de estudos observacionais mostrando um grande efeito semelhante); ⊕⊕οο: o conjunto de evidências é de baixa qualidade (principalmente dados de estudos observacionais); οοο: o conjunto de evidências é de qualidade muito baixa (poucos dados de estudos observacionais). cTNV: taxa acumulada de nascidos vivos; TGC: taxa de gestação clínica; IVIG: infusão intravenosa de imunoglobulina; rhLIF: fator inibidor da leucemia humana recombinante; PBMC: célula mononuclear do sangue periférico; PGT-A: teste genético pré-implantacional para aneuploidia; RIF: falha repetida de implantação; RCT: ensaio clínico randomizado; KIR: receptor tipo imunoglobulina de células natural killer; uNK: células uterinas natural killer; TNF: fator de necrose tumoral; PBMC: célula mononuclear do sangue periférico. Fonte: ESHRE Add-ons working group. Good practice recommendations on add-ons in reproductive medicine†. Hum Reprod. 2023 Sep 25:dead184. doi: 10.1093/humrep/dead184.

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