Prof. Dr. José Maria Soares Junior
Introdução:
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa ainda desconhecida e de natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos auto-anticorpos. O seu quadro clínico pode ter manifestações clínicas polimórficas, com períodos de exacerbação e outros de remissão(1).
As taxas de incidência globais para o LES variaram de aproximadamente 0,3 a 23,7 por 100.000 pessoas-ano, enquanto as taxas de prevalência variaram de 6,5 a 178,0 por 100.000. Há ampla variação geográfica na incidência e prevalência relatada de LES. Isso é decorrente as diferenças nas características dos pacientes como idade, sexo, etnia, região geográfica, condição socioeconômica e exposições a fatores ambientais (2-5). No Brasil, os dados ainda não são precisos. Acredita-se que existam cerca de 65.000 pessoas com LES, sendo que a população feminina é predominante. Portanto, uma a cada 1.700 mulheres no Brasil tem esta doença (6).
A fisiopatologia desta afecção pode estar associado à predisposição genética sob o efeito dos fatores ambientais, como luz ultravioleta e alguns fármacos, juntamente alteração do sistema imunológico, levando à ativação exacerbada de células imunes inatas e de linfócitos autorreativos ao próprio tecido da paciente (autoimune) (2).
Por ter quadro clínico pleomórfico, há ampla variabilidade fenotípica desta doença, bem como da sua intensidade e do seu prognóstico. A maioria dos pacientes tem curso relativamente tranquilo, porém a sobrevida global é menor quando comparada à da população geral, ou seja, o risco relativo de mortalidade é de 2,4 a 6,4, quando comparadas os pacientes saudáveis. As principais causas de morte são: infecção, atividade da doença, dano cardiovascular, lesão renal, afecção neurológica e câncer (3).
Estima-se que 50% dos pacientes com LES tenham anormalidades cardíacas, sendo a maioria oligossintomáticas. Porém as doenças cardiovasculares representam a maior causa de morbimortalidade nesses pacientes, sendo as mais prevalentes as doenças coronarianas (12-90%), do miocárdio (40-60%) e pericárdio (25-50%), insuficiência cardíaca (5-31%), valvopatias (13-65%) e distúrbios de condução (3-16%). Há prevalência de hipertensão arterial sistêmica em até 2/3 dos pacientes com LES, o que contribui para aterosclerose acelerada e aumento do risco cardiovascular (7).
O LES é um fator de risco independente para eventos trombóticos, tanto venoso como arterial. O risco varia de 25 a 50 vezes maior quando comparado a população geral, isso ocorre devido as vasculites cutâneas e Síndrome Nefrótica, que se manifestam no curso da doença, o uso crônico de corticoesteróides, Hipertensão Arterial Sistêmcia, dislipidemia e Diabete Melito (8). No entanto, este risco se eleva intensamente quando há associação com a Síndrome Antifosfolipídeos (SAF), que é caracterizada por níveis séricos elevados e persistentes de anticorpo antifosfolipídeos (aPL), que aumentado o risco de trombose venosa e/ou arterial, bem como complicações obstétricas (9).
A associação com SAF ocorre em 40% dos pacientes com LES e determina maior chance de fenômenos trombóticos do que as mulheres com anticorpo antifosfolipídeos isoladamente (SAF primária) (9). Os principais anticorpos são: anticardiolipina (aCL), anti-beta2 glicoproteína 1 (aβ2GP1) e o lúpus anticoagulante (LAC) (10). Os aPL associados aumentos o risco de trombose, principalmente na presença de triplo positivo (aCL + aβ2GP1 + LAC). O LAC positivo está relacionado com os fenômenos tromboembólicos e eleva o risco de acidente vascular encefálico (AVE) em 48 vezes e de infarto agudo do miocárdio (IAM) em 11 vezes nas mulheres com LES. Salienta-se que níveis séricos baixos de aCL e aβ2GP1, o risco de trombose é menor. Todavia os fatores de risco de trombose clássicos, como tabagismo, obesidade, hipercolesterolemia, hipertensão arterial sistêmica e uso de contraceptivo hormonal combinado elevam o risco de trombose na paciente lúpica, independente dos níveis séricos de aPL (10, 11).
Em geral, há remissão da atividade lúpica na pós-menopausa com a queda da concentração sérica de estrogênio. Contudo, as mulheres durante este período experimentam as consequências ou manifestações do hipoestrogenismo, como sintomas vasomotores, síndrome genitourinária e perda de massa óssea. Portanto, a terapia hormonal estrogênica e/ou estroprogestativa poderia ser uma opção para amenizar estas alterações. Contudo, há riscos de aumentar a atividade da doença e risco tromboembólico (10-12). Na última reunião da Sociedade Brasileira de Climatério (SOBRAC), houve consenso do emprego da terapia estrogênica isolada ou associada ao progestagênio, por via transdérmica para reduzir os sintomas vasomotores, desde que a paciente estivesse com doença estivesse em remissão e/ou níveis séricos muito baixo ou ausentes de aPL (13).
Finalmente, a terapia de reposição hormonal quando ministrada em mulheres com LES deve ser feita de forma cuidadosa e, se houver sinais de reativação da doença e/ou presença de aPL em níveis elevados, recomenda-se suspendê-la.
Referências Bibliográficas
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